Preocupado com o avanço da Huawei, o governo dos EUA intensificou o lobby contra a entrada da companhia chinesa no mercado brasileiro do 5G. O leilão dessa nova tecnologia está previsto para o próximo ano.
Representantes do presidente dos EUA, Donald Trump, têm aproveitado reuniões com autoridades brasileiras para levantar preocupações sobre a segurança dos equipamentos da Huawei, que estariam suscetíveis a ataques cibernéticos ou espionagem.
Ciente da ofensiva dos EUA, o novo presidente-executivo da Huawei no Brasil, Yao Wei, se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro no Planalto nesta segunda-feira (18).
Em outra frente, os americanos fizeram chegar a auxiliares de Bolsonaro o recado de que o aprofundamento da parceria na área de defesa depende de garantias de que as telecomunicações usadas pelo Brasil sejam confiáveis.
A chinesa é hoje a maior fornecedora de equipamentos de rede de telefonia no mundo. Mais da metade das operadoras usa essa tecnologia.
Entre os dias 9 e 10 de outubro, o governo dos EUA enviou ao país especialistas para apresentar a autoridades brasileiras o CFIUS (sigla em inglês para Comitê de Investimento Estrangeiro).
Esse órgão é presidido pelo Departamento de Tesouro e tem o poder de revisar investimentos estrangeiros no país que ameacem a segurança nacional. Também fazem parte desse comitê representantes dos Departamentos de Justiça, de Defesa e de Estado, entre outros.
De acordo com pessoas que acompanharam as reuniões, a ideia de replicar no Brasil essa estrutura foi apresentada à Casa Civil, ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e aos Ministérios de Relações Exteriores e de Ciência e Tecnologia.
O GSI, comandado pelo general Augusto Heleno, é hoje o principal entusiasta da ideia no governo.
Embora não digam publicamente que a ação é destinada a impedir o avanço da Huawei no 5G, pessoas que acompanham o tema consideram que o alvo é a gigante de telecomunicações chinesa.
Um CFIUS brasileiro seria, por exemplo, uma saída legal para tentar bloquear a entrada da Huawei na instalação das redes de quinta geração.
Interlocutores ouvidos pela Folha também disseram que o governo dos EUA tem ressaltado que os projetos no país nas áreas de segurança e defesa precisam sempre levar em conta a confiabilidade das redes de telecomunicações.
Esse tema é especialmente sensível ao governo Bolsonaro, que recebeu em agosto a designação, por Trump, de aliado preferencial extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Em tese, essa condição dá ao Brasil acesso privilegiado à cooperação militar e à transferência de tecnologia com os americanos.
O integrante mais graduado do governo Trump a falar contra as chinesas no 5G foi o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, que visitou Bolsonaro em agosto.
Procurada, a Embaixada dos EUA afirmou que a visita do grupo do CFIUS não foi motivada pelo debate sobre 5G no Brasil e que o assunto não foi discutido.
Em nota à Folha, o governo americano, porém, diz que a entrada dos chineses na área traz “implicações de segurança”.
“Permitir equipamentos de telecomunicações chineses em qualquer ponto de uma rede 5G cria um risco inaceitável para a segurança nacional, infraestrutura, privacidade e direitos humanos”, afirmou a missão diplomática.
Em sua primeira visita oficial a Bolsonaro, o executivo da Huawei disse que a empresa quer ser fornecedora para as teles no 5G e que seus equipamentos são seguros.
Yao Wei apresentou a companhia a Bolsonaro, destacando que ela atua há mais de 20 anos no país, não só fornecendo equipamentos como prestando treinamento aos engenheiros das operadoras.
Após o encontro, Bolsonaro disse que levará em conta a “melhor oferta” e “conectividade” no certame. “Não foi feita a proposta, ele apenas mostrou que quer o 5G no Brasil”, disse Bolsonaro.
Sem citar a qual companhia se referia, o presidente também disse que existe uma “empresa sul-coreana” em condições para operar o 5G.
O leilão do 5G está previsto para o próximo ano, e caberá às operadoras apresentar propostas. Elas terão de instalar suas redes seguindo especificações técnicas a serem definidas pelo governo brasileiro. Dependendo desses padrões, a Huawei pode ser impedida de fornecer equipamentos.
Para a China, o impedimento seria uma ofensa grave demais para levar adiante uma nova rodada de investimentos no Brasil.
No mais recente encontro com Bolsonaro, na semana passada, o dirigente chinês, Xi Jinping, sinalizou com ao menos US$ 100 bilhões de fundos estatais para projetos no país –desde que o Brasil adote posição pragmática e abandone a retórica anti-China da ala ideológica do governo.
A Huawei incomoda seus concorrentes por ter desenvolvido equipamentos mais potentes, menores, e que operam –a um preço mais baixo– com todos os tipos de tecnologia (2G, 3G, 4G, 4,5G e 5G).
Os EUA trabalham para que o leilão do 5G seja adiado. Isso porque suas empresas poderiam ganhar tempo para tentar alcançar o padrão tecnológico dos chineses.
Essa disputa não é uma exclusividade do Brasil. Na Alemanha, existia a suspeita de que a Huawei fizesse espionagem por meio do chamado backdoor (porta dos fundos), uma espécie de saída nos equipamentos que, supostamente, permitiria acesso completo aos dados trafegados pela rede.
No entanto, uma investigação conduzida pelo Escritório Federal de Segurança da Informação da Alemanha atestou que o 5G da Huawei é seguro.
Mesmo assim, pairou a dúvida de que a decisão da Alemanha de abrir as portas para a chinesa teria sido um gesto político.
No Reino Unido também houve tentativa abortada de banir a companhia. Nos EUA, Trump chegou a barrar a Huawei, mas teve de voltar atrás por pressão das empresas