País ainda encabeça rankings internacionais de felicidade e prosperidade, mas há quem acredite que já não é mais a nação ‘justa e igualitária que costumava ser’ e que sua política de portas abertas para o mundo criou problemas. A BBC investigou os índices e conversou com a população local para ver o que é verdade ou não.
Há décadas o mundo tenta entender o segredo por trás do sucesso da Suécia em áreas como transparência, inovação, saúde, bem-estar social e igualdade de gênero.
No entanto, os resultados das eleições realizadas no país no fim de semana passado parecem indicar que nem tudo são flores no país escandinavo.
O Partido Democrata Sueco, com plataforma anti-imigração, foi o terceiro colocado no pleito, abocanhando 18% dos votos – em comparação com 12,9% na eleição anterior.
Muitos interpretarão os resultados dessa eleição como um voto de protesto do povo sueco, o que confirmaria opiniões de quem questiona a imagem modelo do país escandinavo.
O presidente americano, Donald Trump, já fez críticas à Suécia pelo Twitter, e o político anti-imigração britânico Nigel Farage afirmou que a cidade sueca de Malmo “é hoje a capital do estupro na Europa”.
Pessoas como Trump e Farage tentam difundir a noção de que a Suécia é um país onde uma política de portas abertas para o mundo e valores liberais criariam um pesadelo que hoje colocaria esses mesmos valores em risco.
País modelo ou país em processo de falência – qual narrativa está correta?
Por trás dos índices de assassinatos
A famosa ponte Øresund, com quase 8 km de comprimento, conecta a Dinamarca à cidade sueca de Malmo. A ponte é bem conhecida por fãs de seriados de suspense escandinavos. Mas é o crime na vida real que preocupa os moradores de Malmo. E para alguns deles, a culpa é dos imigrantes.
Durante a crise de imigração na Europa em 2015, a Suécia foi um dos países da UE que mais receberam refugiados. Ela acolheu, per capita, mais migrantes do que a Alemanha, por exemplo.
Segundo a Eurostat, agência que coleta dados estatísticos dos países-membros, foram mais de 162 mil pedidos de refúgio em 2015. Ou seja, 1.667 pedidos de refúgio para cada 100 mil suecos.
Encorajados pelos portões abertos e pelo generoso auxílio financeiro oferecido pelo Estado sueco, centenas de milhares de imigrantes seguiram para o país.
Muitos se acomodaram em uma área de Malmo chamada Rosengard, que já abrigava um grande número de imigrantes.
No passado, a região já tinha sido palco de revoltas que deixaram um legado de destruição e carros queimados. E, no início deste ano, uma delegacia foi alvo de ataque a bomba.
Tudo isso levou a polícia sueca a designar uma parte de Rosengard como “área vulnerável” – uma entre 23 áreas desse tipo existentes na Suécia hoje.
Alguns dizem que o termo “área vulnerável” é um eufemismo. Para eles, o local é hoje, na verdade, uma região a ser evitada, um gueto onde o crime está aumentando e fugindo do controle das autoridades.
O principal problema são a proliferação de drogas e armas. Desde o início desse ano, dez pessoas foram assassinadas em Malmo.
Em entrevista à BBC, um membro de alto escalão da polícia sueca, Glen Sjogren, explica que o último tiroteio em Rosengard ocorreu há poucas semanas.
“Acho que sabemos quem foi”, diz Sjogren. Mas acrescenta que o suspeito ainda não foi preso.
Quando perguntado sobre o perfil das pessoas envolvidas na onda de crimes, ele admite que a maioria dos autores não parece ser de origem étnica sueca.
No entanto, Sjogren, que trabalha há 40 anos na polícia de Malmo, nega que a imigração esteja por trás do aumento na criminalidade na área.
Vamos aos fatos. Dez assassinatos em nove meses é um índice preocupante para os padrões escandinavos, mas o que muita gente não sabe é que o número de crimes ocorridos na cidade de Malmo não está aumentando. O policial explica:
“O número de crimes cometidos em Malmo está diminuindo”, diz. “O que está aumentando é o número de ‘tiroteios espetaculares'”, entre membros de gangues e com grande atenção midiática.
O jovem assassinado recentemente em Rosengard, por exemplo, morava no local. “Ele era traficante. Todos os que morreram em Malmo eram criminosos conhecidos.”
“Essas pessoas não se saíram bem na escola, não têm emprego. Claro que são imigrantes, mas de segunda e terceira geração. Na verdade, são suecos.”
Por trás dos índices de estupros
Em anos recentes, houve um aumento no número de acusações de estupro e outros crimes sexuais. Críticos dizem que a polícia não está conseguindo dar conta dos casos.
A advogada Ulrika Rogland diz à BBC que isso é verdade. A polícia de Malmo está sobrecarregada.
“Temos policiais trabalhando em casos de estupro e temos vários tiroteios em Malmo. Então, os oficiais têm de ser retirados das investigações de estupro para trabalhar nos assassinatos a tiro. Isso significa que os casos de estupro ficam empilhados, têm de esperar.”
Novamente, vamos aos fatos: em 2013, a Suécia ampliou a definição legal de estupro.
“Acho que (os índices de estupro) estão mais altos, mas é muito difícil saber por quê. Acho bom que estejam mais altos porque isso significa que mais pessoas estão reportando (os casos à polícia)”, diz Rogland.
Mas ela não acha que mais pessoas estejam sendo vítimas de crimes sexuais na Suécia atualmente.
“Sabemos há muitos anos que muitas pessoas não reportam (crimes sexuais), especialmente (os cometidos) em casa, onde a maioria dos crimes acontece.”
Segundo dados do Conselho Nacional para a Prevenção do Crime na Suécia (BRA), os índices de estupro ns Suécia atingiram seu pico em 2014, portanto antes da chegada da grande onda de refugiados.
Em 2015, ano em que o maior número de refugiados entrou no país, os índices de denúncias de crimes sexuais na verdade diminuíram.
E segundo a BRA, o número de denúncias de estupro em Malmo não aumentou desde a chegada do maior grupo de migrantes. Na verdade, o pico nos índices de denúncias desse tipo na cidade ocorreu entre os anos 2008 e 2011.
Além disso, os números de denúncias de estupro não são mais altos em Malmo do que em outras grandes cidades suecas, como Estocolmo e Gotemburgo.
É tudo, na verdade, uma questão de qual narrativa você extrai dos dados.
Suécia: a construção do mito
Para entendermos a origem da imagem da Suécia como um país de progressistas e liberais, é preciso voltarmos a meados do século 20. Nesse período, a política sueca era dominada pelo Partido Social Democrata, com raízes no movimento trabalhista. Usando um modelo ousado que combinava socialismo e liberalismo, o partido parecia estar alcançando grandes resultados.
Para o resto do mundo, os suecos eram o povo mais rico do planeta. Tinham o padrão de vida mais alto e um Estado de bem-estar social que havia abolido a pobreza e eliminado as greves.
E a Suécia virou um “país modelo”. Uma sociedade onde “tudo funcionava e todos trabalhavam”. “O único país no mundo onde crianças de sete anos de idade tinham aulas de educação sexual e onde o divórcio acontecia por consentimento mútuo”.
Claro que, já na década de 1960, já havia quem questionasse essa versão idílica do país escandinavo.
O preço da globalização
Hoje, a Suécia ainda chega perto do topo nos rankings internacionais que medem felicidade e prosperidade.
No entanto, o país gasta menos do que gastava em bem-estar social e serviços públicos. As discrepâncias entre a Suécia do imaginário e a Suécia real são cada vez maiores.
Analistas apontam que os anos dourados do socialismo liberal na Suécia se foram. Antigas indústrias morreram. Outras tomaram seu lugar. A transição para uma economia mais globalizada – e uma mão de obra mais educada – foi boa para alguns, mas não para todos. A economia globalizada produziu uma Suécia menos igualitária – e menos homogênea, dizem.
Da população, percepções distintas
Entrevistada pela BBC, a ativista Frida Svensson compara o passado ao presente na Suécia. E vê mudanças claras.
“Tivemos muita sorte”, opina Frida. “Agora, começamos a ver dificuldades na nossa sociedade. E elas não têm necessariamente a ver com imigração. Agora, as pessoas pensam, ‘eu tenho um emprego, eu trabalho o dia todo, pago meus impostos, estou fazendo tudo certo e ainda assim a escola dos meus filhos não está boa, meus pais idosos não estão sendo bem cuidados, os ônibus não estão chegando no horário’. Então, eu acho que as pessoas sentem que não estão recebendo de volta do Estado o que costumavam receber antes.”
O funcionário da construção civil Morgan Nilson também não está feliz com os rumos tomados por seu país. Ele mora no interior, a uma hora de distância de Malmo.
“Trabalho desde os 18 anos de idade e agora tenho 52. Trabalhei na construção minha vida inteira. E todo mundo votava nos social democratas e era membro do sindicato.”
Hoje, no entanto, Nilson diz que ele e seus colegas abandoram a centro-esquerda e agora estão com os democratas suecos, de extrema direita.
Nilson diz que optou pelo partido porque a política de portas abertas à imigração não foi boa para os trabalhadores suecos. A entrada dos estrangeiros no mercado diminuiu salários e baixou preços.
“Não temos condições de competir.”
E quando a reportagem pergunta se ele gostaria de que a Suécia saísse da União Europeia, Nilson responde que sim.
“Eu não acredito em fronteiras abertas. Não conseguimos impedir que as pessoas entrem aqui, não sabemos quem está no país.”
Para Nilson, a Suécia que ocupa o topo dos rankings internacionais de bem-estar não soa verdadeira. Já não é a Suécia justa e igualitária que costumava ser.
“Eu acredito nas políticas dos Democratas da Suécia, de manter a Suécia como ela era antes.”
Uma outra pessoa para quem a Suécia deixou de ser a “boa Suécia” é o filho de imigrantes libaneses Hussein, morador de Rosengard, em Malmo.
“É difícil explicar. Dizem que é gostoso viver aqui, mas as pessoas não se sentem bem mentalmente. Talvez seja o clima.”
Hussein chegou à Suécia ainda menino. Está desempregado há três anos.
Melhor país para refugiados
Uma pesquisa publicada no ano passado classificou a Suécia como o melhor país do mundo para se viver se você é um refugiado. Essa é uma imagem da Suécia que há décadas vem sendo reforçada por políticos e pela mídia do país.
O depoimento do refugiado sírio Abdurauf al Absi, que vive na Suécia há cinco anos, confirma essa imagem.
“Este é um país justo”, disse Al Absi à BBC. Segundo o refugiado, todos são tratados com igualdade na Suécia.
Hussein, por sua vez, diz que muitos suecos se ressentem de refugiados como Al Absi.
“Muitos suecos dizem, ‘(os refugiados) vêm de sua guerra e recebem tudo’. Enquanto nós (suecos), quando estamos doentes, não podemos trabalhar e não recebemos dinheiro.”
A não integração e o politicamente correto
Para completarmos o quadro, voltemos a ouvir o policial Glen Sjoguen.
“É preciso ser direto e falar o que está causando o problema: não estamos integrando as pessoas o bastante”, diz o policial. “Você consegue viver aqui sua vida inteira sem (precisar) falar sueco.”
Ele calcula que o índice de desemprego em Rosengard – onde quase todo mundo é imigrante ou descende de imigrantes – seja dez vezes a média nacional, possivelmente mais.
Muitos suecos reconhecem que a integração no país tem sido um difícil. Mas, até recentemente, falar sobre isso era tabu.
Sjoguen acrescenta, porém, que não seria bem visto tocar nesse assunto entre policiais e a sociedade de Malmo.
“Eu provavelmente seria chamado de racista (ao falar em integração). Talvez de nazista. Não sei por quê. Estou apenas falando a verdade.”
Será que, ao adotar posturas politicamente corretas, a Suécia estaria, na verdade, fazendo um desserviço, e até causando mal, a pessoas como o jovem morto no tiroteio?
“De certa forma, sim”, diz Sjogren. “É preciso ver o problema como ele é. Para depois fazer algo a respeito.”
Muitos veem a Suécia como uma estrela guia em um mundo polarizado. E visitam o país em busca de uma confirmação daquela antiga imagem, do país mais bem resolvido do mundo. A moral desta história é que é tudo mais complexo – e que é preciso ter cuidado com narrativas simplistas.