‘Não sangra como nos filmes’, diz médico do Hospital Militar e do Albert Einstein, Marco Felipe Ariette; ele explica que, dependendo do local e da inclinação da facada, ferimento interno é maior que externo e pode provocar danos graves e até a morte.
“Ferimento a faca não é como nos filmes. Normalmente, o agressor enfia e tira a faca rapidamente, não crava ela no corpo da pessoa. E também não costuma ficar jorrando sangue para fora do corpo”, diz o médico Marco Felipe Ariette, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Militar em São Paulo e do Albert Einstein.
Apesar de muitas vezes parecerem pequenos, ferimentos com armas brancas podem ser extremamente sérios.
O cirurgião vascular Rafael Noronha Cavalcante, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, observa que “ferimentos à faca têm potencial lesivo menor que os provocados por armas de fogo, mas isso não quer dizer que eles sejam de baixo risco”.
Dados do Ministério da Saúde consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2014, 20,2% das 59.681 mortes por agressão foram por objetos cortantes, enquanto 71,6% foram por armas de fogo.
“Dependendo do local, pode ser de muita gravidade, como no pescoço, onde há artérias de grande calibre. Mesma coisa nos membros inferiores e superiores”, afirma Noronha Cavalcante. “O abdome tem órgãos vitais e, quando a facada atinge órgãos como o fígado, baço ou artérias importantes, pode ocasionar morte”, completa Marco Felipe Ariette.
Traumas como o do candidato Jair Bolsonaro (PSL), ferido com uma facada por volta das 16h de quinta-feira, são considerados graves justamente por ter atingido grandes vasos sanguíneos e órgãos no abdome.
Bolsonaro levou a facada na cidade de Juiz de Fora (MG), enquanto era carregado por apoiadores em meio a uma multidão, durante um evento de campanha. Ele foi operado na Santa Casa da cidade mineira e transferido no dia seguinte para o hospital Albert Einstein, na capital paulista.
No Twitter, o filho do candidato, Flávio Bolsonaro, afirmou que o episódio “infelizmente foi mais grave do que esperávamos”.
Por que ferimentos a faca, normalmente, são subestimados?
Marco Felipe Ariette diz que ferimentos a faca são substimados porque o “orifício de entrada normalmente é pequeno”.
“A pele costuma retrair e não dá para saber o quanto a faca entrou. A aparência é, normalmente, de um corte pequeno”, diz o médico, lembrando que a região abdominal tem muitos órgãos vitais e uma única facada pode perfurar vários deles.
Ariette diz ainda que muita gente não procura atendimento imediatamente depois da facada justamente por não dimensionar, à primeira vista, o tamanho dos possíveis danos.
Em caso de lesão do intestino, por exemplo, o risco de contaminação é maior depois das seis primeiras horas, segundo Ariette.
Por isso, em caso de ferimento com objeto cortante é importante buscar atendimento médico o mais rapidamente possível.
Por que ferimento a faca nem sempre sangra externamente?
Ariette explica que o ângulo da facada e o tipo de órgão atingido influenciam no tipo e na gravidade do sangramento. Além disso, diz o médico, os vasos sanguíneos costumam retrair quando há ferimentos desse tipo. “É um dos mecanismos de autodefesa do corpo para reter sangue”, observa.
Rafael Noronha Cavalcante reitera que muitas vezes o sangramento não extravasa pela ferida. “Mesmo nos casos dos membros superiores e inferiores pode haver um tamponamento do sangramento, sem externalização importante. Muitas vezes, o sangue vai dissecando por dentro dos músculos, gerando aumento do volume do membro”.
Por isso, sangramentos externos costumam ser pequenos em caso de ferimento a faca. Mas, internamente, a depender do tipo de artéria afetada pode ser fatal. “O risco maior é sangrar internamente sem, necessariamente, sair pelo orifício (de entrada da faca)”, diz Ariette.
“Por que não jorra para fora? Porque dependendo de onde foi a lesão no vaso e da localização, o líquido vai fluir para o local onde há menor resistência, onde há menos pressão. Quando o ferimento é no abdome, a musculatura da região abdominal gera resistência. Se o vaso atingido for, por exemplo, atrás do peritônio, onde estão a aorta e a veia cava, muitas vezes o sangramento vai ser interno e disperso pela cavidade abdominal. O sangue se espalha por dentro da barriga”, explica Noronha Cavalcante.
No caso de Bolsonaro, a equipe médica que o atendeu informou que o candidato perdeu 40% do sangue do corpo, cerca de 2,5 litros, e recebeu quatro bolsas de sangue.
Quando uma facada pode ser mais perigosa que um ferimento a bala?
“Um ferimento a faca pode ser pior que bala dependendo da localização. Se a facada pegar um vaso e o tiro não, pode ser pior”, diz Marco Felipe Ariette.
Além disso, diz ele, o trajeto da faca é retilíneo e, a depender da intensidade, do ângulo e profundidade, a facada pode comprometer vários órgãos ao mesmo tempo. A bala, a depender do calibre e da distância do tiro, pode atravessar o corpo sem atingir nenhum órgão vital.
Rafael Noronha Cavalcante diz que o risco é menor quando a facada atinge, por exemplo, músculos, tendões e ossos. “Mas se atingir uma grande artéria de condução, como a da perna, o paciente corre risco tanto de sangramento quanto de perda de membro”, observa.
“Mas tudo depende de onde pega”, completa Ariette.
Qual o tempo de recuperação de quem leva uma facada no abdômen?
Em caso de lesão abdominal com comprometimento da artéria, o paciente costuma ter alta em até dez dias, desde que a cirurgia tenha sido bem sucedida.
Normalmente, o paciente precisa ficar mais uma semana de repouso em casa antes de começar a voltar às atividades de rotina.
“Se o paciente não está entubado e passa bem, sugerimos que ele comece a caminhar dentro do quarto do hospital e com ajuda já no segundo ou terceiro dia da cirurgia. Caminhar é bom para fazer o intestino funcionar e para ajudar na alimentação”, diz Ariette.
Mas tanto Ariette quanto Noronha Cavalcante dizem que tudo depende do tipo de ferimento e do paciente.
As primeiras 48 horas são consideradas um período crítico de recuperação. Os maiores riscos nessa fase são de hemorragia, inflamação, coágulos, insuficiência renal e infecções.
No caso de Bolsonaro, a recuperação total, segundo os médicos que o atenderam, deve demorar um pouco mais porque ele deve passar de dois a três meses com uma bolsa para colostomia, que é uma comunicação do intestino grosso e o exterior através da barriga.