Medida de Trump inibiria participação de imigrantes e reduziria peso de estados democratas
Censo de 2020 quer saber. Nos EUA de Donald Trump, essas palavras não soam inócuas.
Assim como no Brasil, o Censo previsto na Constituição americana é realizado a cada década desde 1790. O objetivo é estimar a população.
Os dados são usados para definir a representatividade de cada distrito na Câmara. Por isso, o questionário não é aplicado somente a cidadãos. Distritos com população maior recebem mais assentos e mais recursos federais.
É isso que preocupa as organizações de defesa de minorias, que desconfiam da justificativa do governo para incluir a pergunta: assegurar o direito a voto de todos. Para os ativistas, a pergunta afugentará imigrantes ilegais ou mesmo cidadãos naturalizados americanos com parentes sem permissão para permanecerem nos EUA.
“Vivemos num clima de grande hostilidade a latinos, negros, imigrantes ilegais”, afirma Silvia Pedraza, professora de sociologia e cultura da Universidade de Michigan.
Chayenne Polimedio, vice-diretora do centro de estudos New America, considera que muitos imigrantes podem deixar de participar com medo de a informação ser compartilhada, por exemplo, com o Departamento de Justiça ou com as agências de imigração. “Eles temem que o governo saiba seus endereços. Ficam numa situação delicada.”
Sem as respostas dessa parcela da população, a precisão do Censo fica comprometida, avalia Laurence Benenson, diretor assistente do National Immigration Forum. O efeito direto é a subavaliação do número de habitantes dos EUA, o que prejudicaria o acompanhamento demográfico.
Haveria impacto ainda no desenho dos distritos. Estados muito populosos são divididos em mais distritos para que a população possa ter maior representação. Com 19,85 milhões de habitantes, Nova York tem 27 distritos -ou 27 assentos. Vermont, com 623.657 habitantes, tem 1.
Nova York é um exemplo do impacto do Censo. O estado perdeu dois representantes após ser redesenhado como resultado da pesquisa de 2010.”Se você está num distrito do Arizona e tem 8.000 pessoas que não respondem ao censo, o estado pode perder um assento”, estima Benenson.
O efeito é maior em lugares com fatia elevada de imigrantes, como Nova York e Califórnia -estados que tendem a eleger deputados democratas.”Se você quer provocar desvantagem a lugares com imigrantes, essa é uma forma.” “Mesmo se os dois partidos perderem ali, os republicanos ganham um assento em outro lugar com menos migrantes.”
Ainda assim, o impacto continua sendo bipartidário, afirma Angela Manso, diretora da Naleo, associação apartidária. Mesmo áreas que votam majoritariamente em democratas têm moradores republicanos. “Quem acha que só vai prejudicar um grupo não entende como o Censo funciona.”
O redesenho dos distritos ameaça reduzir os recursos federais a essas áreas, fazendo com que empobreçam. “Você tem comunidades com o mesmo tamanho, mas o financiamento federal não chega, pois o dinheiro leva em conta o número de pessoas”, diz Manso. “É problemático em áreas que precisam de escolas, estradas. Terão que viver com esse dinheiro por dez anos”, diz, lembrando que o próximo Censo só viria em 2030.
Além de potencialmente anular uma grande parcela da população, a inclusão da pergunta também encareceria a pesquisa. Para assegurar que a maioria da população responda, há uma série de passos que o Censo segue, como enviar formulário pelos Correios e fazer acompanhamento por telefone ou visita.
O orçamento previsto para o Censo de 2020 é de US$ 15,6 bilhões (R$ 65 bilhões). Segundo o diretor de pesquisa e metodologia do próprio Censo, John Abowd, o custo extra de acrescentar a pergunta seria de ao menos US$ 27,5 milhões, conforme estimou em memorando de janeiro ao secretário de Comércio, Wilbur Ross.
A pergunta sobre cidadania não é inédita. Mas a última vez em que todos os lares selecionados foram questionados sobre o tema foi em 1950. A partir daí, a pergunta foi transferida a um formulário mais extenso e que era enviado para um em cada seis lares.
O problema da pergunta no Censo de 2020 é o caminho pelo qual foi incluída. Em março, o secretário de Comércio anunciou que o questionamento ocorreria, a pedido do Departamento de Justiça, que buscava proibir práticas discriminatórias contra eleitores. O Congresso delega a Ross a autoridade de determinar as perguntas do Censo.
“Soubemos, depois, de conversas na Casa Branca para incluir a pergunta com indivíduos como Kris Kobach e Steve Bannon”, diz Manso, citando assessores anti-imigração.
Dados do Censo são confidenciais, mas há precedentes: a historiadora Margo Anderson, da Universidade de Wisconsin, e o estatístico William Seltzer, da Universidade Fordham, acharam provas de que funcionários do Censo entregaram ao governo dados de americanos de ascendência japonesa na Segunda Guerra.Cerca de 120 mil deles foram enviados a campos de internamento após o ataque a Pearl Harbor, em 1941.