De qualquer forma, acrescenta, ela não acredita que poderia ter escapado ilesa, já que ainda no caminho, antes da abordagem, ficou sabendo que os colegas que retornaram a Manágua foram alvo de um ataque da polícia e tiveram seus ônibus atingidos por bombas de gás lacrimogêneo.
Já no centro de detenção, o grupo viveu momentos tensos quando uma jovem sofreu um ataque epilético e não foi socorrida durante muito tempo. “Eu tive que insistir muito, mas muito mesmo, até que a levaram para um hospital, e mesmo assim ficamos morrendo de medo, porque ela foi sozinha”, lembra. Mais tarde, porém, ela conseguiu confirmar que a colega foi atendida e se recuperou.
O grupo foi em seguida transferido para o presídio de El Chipote, sede da Direção de Auxílio Judicial, local apontado pela oposição como um centro de tortura para detidos em protestos.
Emilia diz que, apesar do medo, sempre pensou que, por ser estrangeira, sua situação ainda era um pouco melhor do que a dos colegas, já que, se fosse vítima de alguma agressão, haveria chance de algum incidente diplomático e repercussões negativas para o governo nicaraguense. “Ameaçavam que iam me processar criminalmente no país, mas não mais do que isso”.
Mas, às 18h30, todos foram liberados, exceto ela, que foi encaminhada à imigração, onde permaneceu até às 3h30 de domingo. “Fui interrogada por cinco pessoas diferentes e, desde o momento em que fomos detidos, só foram me deixar comer por volta das 22h30”, explica.
Por conta disso, o secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanas (CIDH), Paulo Abrão, afirmou que ela foi submetida a maus tratos psicológicos.
Segundo Emilia, os agentes de interrogação queriam saber o que ela fazia no país, e ela disse que estava ali como turista. “Queria a todo custo proteger minhas fontes e também meu material, é claro que não falei sobre o documentário”, diz.
Manifestante anti-governo com o rosto coberto participa de protesto em Granada, na Nicarágua, no sábado (25) (Foto: Inti Ocon/AFP)
Ela afirma que eles estranharam o fato de ela estar com equipamento de filmagem – que foi apreendido – mas ainda assim ela manteve a versão do turismo. “Lógico que eles não acreditaram, mas e daí?”, diverte-se ao lembrar.
Como foi levada diretamente do departamento de imigração para o aeroporto, de onde seguiu deportada para os Estados Unidos, ela não retornou ao local onde estava hospedada para buscar seus pertences e por isso não sabe se o material que tinha filmado nas semanas anteriores está seguro.
Com medo de entrar em contato com amigos que ainda estão na Nicarágua, já que ela ou eles podem estar sob vigilância, Emilia não conseguiu pedir que alguém vá até lá checar se tudo está como ela deixou.
De qualquer maneira, garante, “um filme vai ser feito. A gente vai fazer de qualquer jeito”.
Herdeiros dos sandinistas
Emilia Mello estava na Nicarágua havia algumas semanas, registrando as manifestações para um documentário. A brasileira conta que decidiu retornar ao país para fazer um filme sobre a crise política porque esteve ali pela primeira vez em 1999, como voluntária, e na ocasião viajou com um grupo de sandinistas e criou grande respeito e admiração pelo povo nicaraguense.
“Fiquei muito inspirada pelos estudantes que vi durante esses dias, eles são os verdadeiros herdeiros da revolução sandinista. É incrível que estas pessoas ainda estejam lutando e se manifestando”, diz, lamentando a violência com que os protestos têm sido reprimidos.
“Os sandinistas tinham o coração do país, eram os verdadeiros representantes da vontade do povo. E hoje essas pessoas que estão resistindo, elas representam o povo, o coração do povo está com elas. É por isso que acho que não tem como eles não vencerem”, aposta.
Por G1