Uma mudança de protocolo no tratamento de câncer de mama pode trazer melhorias significativas para pacientes e economias expressivas na saúde pública. Baseada em um estudo apresentado no início de junho no principal congresso de câncer do mundo, o da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, sigla em inglês), a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) emitiu um posicionamento, esta semana, recomendando a médicos brasileiros que diminuam o tempo de tratamento de tumores HER2 positivo pela metade: de um ano para seis meses. O tipo de câncer é um dos mais comuns na mama — responde por cerca de 20% dos casos, ou 12 mil pacientes todos os anos no Brasil.
A recomendação diz respeito ao trastuzumabe, um anticorpo monoclonal geralmente usado em associação à quimioterapia e tido como um dos “maiores avanços da oncologia clínica das últimas décadas”, conforme o texto publicado pela SBOC. Ele foi incorporado pela rede pública de saúde no Brasil em 2012, depois de mais de uma década de protestos de especialistas. Em 2017, com mais pressão, estendeu os braços também às pacientes com a doença avançada — até então ele só era dado às diagnosticadas precocemente.
A recomendação da SBOC vale como orientação aos médicos. Embora o Ministério da Saúde forneça o tratamento, cabe a cada especialista determinar às pacientes como http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrá-lo. A prática clínica, até agora, pendia para o lado do protocolo de um ano, com doses do medicamento a cada 21 dias, além da quimioterapia. A recomendação da SBOC é como uma espécie de carta branca para os oncologistas revisarem suas práticas, se quiserem.
“A gente já tinha uma desconfiança de que diminuir o medicamento para seis meses não teria resultado inferior devido a estudos passados, com número reduzido de pacientes. Esse, mais novo, nos mostrou isso com bastante segurança”, diz Sergio Simon, presidente da SBOC e oncologista do hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Com menor tempo de intervenção, as pacientes ainda devem ter maior aderência ao procedimento. “Como as doses são a cada três semanas, o tratamento impede a paciente, por exemplo, de fazer uma viagem muito extensa. Isso muda a vida dela”.
Melhor, mais barato e menos tóxico?
O tão celebrado estudo chamou atenção não só pelo número grande de pacientes — foram mais de 4 mil participantes –, mas também pela independência. Ao contrário da maioria das pesquisas em câncer, não era o aporte financeiro da indústria farmacêutica o que estava por trás das investigações, mas, sim, o governo britânico, por meio do National Institute for Health Research.
A equipe da professora Helena Earl, da Universidade de Cambridge, randomizou, em 152 centros espalhados no Reino Unido, pacientes para receberem o trastuzumabe por seis ou por 12 meses. Quatro anos depois, a sobrevida livre de doença foi igual nos dois grupos: cerca de 89%. Com uma vantagem extra para as que receberam tratamento por menos tempo, visto que os efeitos adversos cardíacos foram observados em apenas 4% das pacientes, contra 8% no grupo dos 12 meses.
Como os resultados completos ainda não foram publicados, no entanto, o posicionamento da entidade brasileira vem com ressalvas. Até que os efeitos práticos da diminuição no período com o medicamento sejam sedimentados na prática, a recomendação é que o protocolo antigo seja mantido para as pacientes consideradas de baixo risco de recorrência (tumores menores que dois centímetros) e para as de alto risco (tumor localmente avançado).
As decisões, portanto, devem ser tomadas caso a caso. No entanto, podem impactar de maneira importante a vida das pacientes e o orçamento do SUS para compra de medicamento, o que, na visão de especialistas, abriria caminho para a incorporação de drogas muito eficientes e que ainda não são oferecidas na rede pública.
Uma dessas áreas é o tumor de rim para o qual, segundo Simon, o tratamento usado hoje na rede pública, o interferon, é “tóxico, caro e com baixíssimo resultado”, quando já existem alternativas orais e de melhores desempenhos.
Cautela
Antes de jogar confete sobre o estudo britânico, no entanto, o oncologista Max Mano, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e que também assina o documento da SBOC, diz que é preciso colocar a recomendação dentro de um contexto.
Além disso, ele diz que, mesmo com resultados animadores, o estudo de Helena Earl usou protocolos que já não são mais usados hoje em dia na prática clínica, com tratamento sequencial de trastuzumabe — ou seja, a quimioterapia e só depois o uso do trastuzumabe. Hoje, as duas coisas acontecem simultaneamente.
“Saí dessa apresentação com muitas dúvidas sobre a confiabilidade de usarmos o procedimento em consultório. Por isso, as ressalvas foram feitas”, sublinha. Ele mesmo, reforça, não pretende mudar sua prática até que uma metanálise desse estudo, o comparando com outros anteriores, seja publicada. O que só deve acontecer em um ou dois anos.
Em termos de gestão de recursos em saúde pública, no entanto, ele concorda que os achados abrem uma via de esperança. “Imagina num país muito pobre, onde você não consegue dar trastuzumabe a ninguém? Dar seis meses é melhor do que não dar nada”, diz. “Mas na situação no Brasil, ainda acho precipitado”, reforça.
Em 2016, o Ministério da Saúde gastou mais de R$ 206 milhões na compra de trastuzumabe para atender 3.935 pacientes, segundo informações da pasta. Ao todo, foram 200 mil frascos. Outros R$ 100 mil foram destinados para compra do medicamento por meio de demandas judiciais.