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Mães que tiveram filhos mortos por engano em guerra de facção relatam dor da nova rotina: ‘fico no quarto esperando ela voltar’

G1 ouviu duas mães que tiverem os filhos assassinados por engano durante a guerra entre facções criminosas em Rio Branco.


Elas esperavam os filhos voltarem do supermercado, do passeio com o amigo ou ligarem para dar bom dia. Esperavam enquanto faziam o almoço, conversavam com vizinhos, mas foram surpreendidas pela chegada de um conhecido com o olhar assustado e uma notícia que mudaria a vida delas para sempre.


No Dia das Mães, celebrado neste domingo (13), o G1 ouviu mães que tiveram os filhos assassinados ao serem confundidos com criminosos ou foram usados como escudo por outra pessoa que era alvo de tiros. Duas mães que dividem a dor e a revolta de saber que o filho foi morto inocentemente, sendo vítimas da violência gerada pela guerra entre facções.


A filha da cozinheira Libânia Damasceno, de 55 anos, parou na casa de uma prima, no Conjunto Novo Horizonte, quando voltava do supermercado em janeiro deste ano. Enquanto conversava, um jovem corria de criminosos armados que tentavam matá-lo. Para não ser atingido, o rapaz usou Luciana Damasceno como escudo e conseguiu escapar dos disparos. Já ela foi atingida e morreu no local.


“Estava de férias quando dei fé uma menina chegou me chamando avisando que tinham atirado nela. Em seguida já disse ‘tia, o tiro matou ela’. Corri para lá e já estava morta. Falei ‘filha, filha, não me deixa’ e ela não respondeu. Cai no chão, as pessoas que me ajudaram, me levaram para a UPA”, relembra.


Mãe de dois filhos, Luciana morava com a mãe e os irmãos após o fim do casamento. A cozinheira tinha combinado com os outros filhos que Luciana sairia do trabalho para ficar em casa com as crianças. Um esforço da família para ajudar a jovem a ficar mais tempo com os filhos.


Luciana foi usada por escudo por um rapaz que fugiu de criminosos armados  (Foto: Reprodução/Facebook)

Luciana foi usada por escudo por um rapaz que fugiu de criminosos armados (Foto: Reprodução/Facebook)


“A gente que sustentava ela e os filhos porque é muito ruim quando a gente separa que tem filhos e não tem quem ajudem. Já passei por isso e não queria que ela passasse também”, contou.


Após a morte da filha, Libânia entregou os netos para morar com o ex-genro. A cozinheira trabalha em uma chácara da capital acreana e só volta para casa no final de semana. Não resistindo a saudade, ela propôs para o ex-genro que voltasse, com a atual mulher, a morar na casa que era de Luciana.


“Não tenho vontade de comer quando chego em casa. Fico mais trancada dentro do meu quarto esperando ela chegar a qualquer momento. Queria que prendessem eles e eu tivesse a chance de perguntar o porquê. Surgem muitos boatos quando acontece isso, mas minha filha não era de facção. Era namoradeira, mas não fazia parte disso. Sempre fui uma mãe que corrigi o que era errado”, lamentou.


Sobre o Dia das Mães, a cozinheira diz que nunca mais vai poder comemorar a data de forma totalmente feliz. Ela deu ainda um conselho para as mães.


“Não deixem traficante nenhum e nem facção usarem os filhos para fazer outra mãe sofrer. Quem morre não é só a pessoa, a família também. A família do assassino também, porque mãe nenhuma quer ter um filho assassino. Acho que dói muito também”, contou entre lágrimas.


Paulo Sérgio saía da padaria quando foi assassinado por criminosos que procuravam membros de facções do Bairro Taquari (Foto: Arquivo da família)

Paulo Sérgio saía da padaria quando foi assassinado por criminosos que procuravam membros de facções do Bairro Taquari (Foto: Arquivo da família)


Confundido com criminoso

Paulo Sérgio, de 24 anos, tinha ido comprar pão no dia 29 de novembro quando foi assassinado. O crime ocorreu no Bairro Seis de Agosto, em Rio Branco. Horas depois, no bairro João Eduardo, um vizinho de Francisca da Silva Lima, de 49 anos, assistia um telejornal e soube da morte.


Francisca foi avisada que o filho foi confundido com criminosos e morto ao sair da padaria.


“Mararam meu filho com 12 tiros. Pra mim vai ser triste, muito triste. Não durmo direito desde que mataram ele”, relembrou.


O jovem morava com a esposa, mas nunca passou um dia sem falar com a mãe. No dia seguinte, o rapaz faria um curso para ser mototaxista. Sobre os criminosos, Francisca disse que gostaria de encontrá-los na rua e fazer justiça com as próprias mãos.


“Me falaram que já mataram um, o outro está na penal preso porque fez um assalto contra uma moça. Se eu topasse essas pessoas eu mesma tinha coragem de matar. A Justiça prende, mas dois a três meses estão todos nas ruas matando. Isso traz uma revolta maior”, finaliza.


No lugar errado

O coordenador da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado Rêmulo Diniz, contou que essas pessoas estavam no lugar errado e na hora errada. Sobre o caso de Paulo Sérgio, Diniz falou que os criminosos procuravam membros de uma facção rival do Bairro Taquari. Ele dele, um outro rapaz também foi morto.


“Essas vítimas morreram em fatos distintos, mas o contexto foi praticamente o mesmo. Durante a guerra de facção, uma organização querendo matar membros e terminou com a morte de inocentes que estavam em via pública. A autoria desses crimes já foi identificada e também a motivação real. Infelizmente, os criminosos não têm qualquer pudor ou cautela na prática dos crimes”, confirmou.


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