Número é maior do que o registrado em 2016, quando foram 150 casos registrados. Servidores de unidades de saúde foram capacitados.
Duzentos casos a mais do que os registrados em 2016. Esse é o balando do núcleo de prevenção ao suicídio que funciona no Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco. Ao todo, só em 2017, a equipe atendeu 350 pessoas que tentaram tirar a própria vida.
Um aumento de mais de 100% no período de um ano e que preocupa os profissionais e faz um alerta a população – é preciso abordar, de maneira correta e responsável – os fatores ligados a esses números.
A intenção do núcleo agora é juntar também os casos registrados em outras unidades de saúde, como as Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados (URAPs) e de Pronto-Atendimento (UPAs).
Outra medida foi capacitar esses servidores para o atendimento adequado nessas unidades. O plantão psicológico do Huerb atendeu ainda 1.052 pessoas com diversos sintomas, como crises, automutilação, ideação suicida e depressão.
Josiane Furtado, uma das psicólogas responsável pelo atendimento no setor, diz que os jovens e adolescentes são mais afetados por esses quadros clínicos.
“Esses números servem de alerta pra gente trabalhar ainda mais a prevenção e redução. Capacitamos equipes do município e o nosso desafio agora é compilar esses dados, principalmente do Vale do Juruá, de onde não temos quase nada”, diz.
A especialista diz ainda que a divulgação dos casos de suicídios de forma irresponsável pode ser um gatilho para quem tem pensamentos em tirar a própria vida. Ela acredita que no ano passado o número tenha sido maior devido às redes sociais que propagaram suicídios.
“O problema não é abordar o assunto, mas como abordar. Isso usado de forma errada, pode causar um ‘boom’ nos casos”, pontua, lembrando a recomendação da Organização Mundial de Saúde, que orienta a não divulgar os métodos usados em casos desse tipo.
Josiane destaca ainda que vários fatores – externos e internos – podem desencadear pensamentos suicidas. Ela conta que o núcleo atendeu, inclusive, crianças com 10 anos de idade que tentaram se matar.
“Alguns não têm um quadro depressivo. De repente, foi algo na vida que não aguentou e viu isso como saída, mas sempre vem um quadro depressivo junto, que pode ser posterior a tentativa”, explica.
Tratamento
No hospital, o paciente que chega com crises ou que tentou se matar é atendido pela equipe e fica em observação nos leitos. A luta da equipe do núcleo é que o plantão funcione 24 horas, mas isso ainda não é possível.
“A pessoa que está em crise vai pro nosso plantão e quando é identificado que está com fortes pensamentos suicidas vai para o leito de saúde mental e passa a ser acompanhada por psiquiatra”, explica a psicóloga.
Um relatório desse paciente é encaminhado à nova equipe que recebe o caso.
“Os pacientes, quando saem dos leitos, vão com encaminhamento para acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Isso não quer dizer que ele não pode voltar ao nosso núcleo, caso tenha uma nova crise”, pontua.
A psicóloga diz ainda que considera o número de casos alarmante e que o objetivo é chamar a atenção do Ministério da Saúde para que novos investimentos sejam liberados ao estado acreano.
“Sem isso, não há verbas e muito menos políticas públicas para essa área”, completa.
‘É uma luta diária’
No dia 8 de novembro de 2011, uma paciente, que chamaremos pelo nome fictício de Yasmin, aos 25 anos decidiu que não queria mais viver. O despertador tocou às 4h, mas ela não conseguiu se matar porque foi socorrida pela mãe.
Foi a partir daí que ela começou a fazer o tratamento para lidar com os pensamentos. Hoje, aos 33 anos, ela recorre às terapias alternativa. Foram seis anos em um tratamento tomando pelo menos quatro medicamentos controlados diários.
Após a tentativa de suicídio, a estudante descobriu que o organismo havia parado de produzir serotonina – hormônio da felicidade – e precisou a ter que introduzir ele no seu corpo com repositores.
A estudante conta que desde dos 14 anos se cobrava muito e sempre pensava em formas de morrer. “Fui crescendo e a vontade de não viver mais foi aumentando. Eu estava cansada, não sentia vontade de fazer nada. Uma vez passei 29 dias sem lavar o cabelo. As dores se tornavam físicas”, relembra.
Ela também precisava conviver com oscilações de humor que não entendia muito bem. Após procurar ajuda, ela foi diagnostica também com bipolaridade.
Foram seis anos usando remédios controlados e muito fortes. Em 2017, por conta própria, Yasmin decidiu usar apenas o repositor do hormônio e em dias de crise de ansiedade usa um medicamento para acalmar.
Atualmente, ela procurou tratamentos alternativos que a ajudaram a lidar com os maus pensamentos.
“Os nossos pensamentos têm voz. Então, você precisa ter foco e ser forte. Mas, nem sempre você consegue ser forte e é aí que entra a importância de a gente pedir ajuda”, esclarece.
Os medicamentos usados atualmente são homeopáticos e ela também é adepta aos métodos holísticos. Espiritualizada, ela acredita que após todos esses processos, o momento agora é de tentar outros métodos para lidar com o seu quadro clínico.
“Estou depressiva de novo. Eu não tenho controle emocional para lidar com algumas situações que a vida me apresenta. Ninguém sabe o que a gente passa. Tenho consciência que não estou curada e que preciso de acompanhamento”, explica.
Porém, Yasmin diz que a aceitação da doença e o tempo a fizeram perceber que o tratamento é eficaz e que cada caso é um caso.
“Com um tempo a gente aprende a lidar com alguns pensamentos e reconhece os sinais. A gente perde o medo e pede ajuda. Porque penso que, se eu tivesse morrido quando tentei, não ia mais sentir dor, eu não ia mais me sentir cansada”, desabafa.
Mas, a história da estudante mostra a importância do tratamento, principalmente em unidades públicas de atendimento.
É necessário também que cada pessoa procure um profissional para ser avaliado e devidamente tratado. No caso de Yasmin, a rejeição da mãe foi o gatilho para tantos problemas enfrentados na vida adulta.
“Tive que lidar, desde criança, com as cobranças e a competitividade com minha própria mãe. E quando cresci, eu vi que não sabia lidar com isso. É desesperador, mas tem tratamento. O que quero dizer é que é uma luta diária – eu luto com meus próprios pensamentos todos os dias – mas, a gente consegue”, finaliza.
Fortalecimento da rede
Os números são tão altos que chamaram a atenção também do Ministério Público do Acre (MP-AC), que vem acompanhando o trabalho do núcleo desde o ano passado. Gláucio Ney Shiroma Oshiro, da 1ª Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Saúde, explica que o órgão tem orientado e discutido os dados – ainda recentes – para que novas medidas sejam tomadas.
Alguns avanços já podem ser citados. Em um acordo extraoficial com a Secretaria de Saúde de Rio Branco, o MP assegurou a construção do segundo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II).
“Estamos fazendo o monitoramento de fato. Dentro dessa proposta, foram elaborados seminários, onde conversamos por dez dias com diversos setores e discutimos algumas estratégias”, explica.
Oshiro destaca ainda que o objetivo do MP-AC é que o estudo desses casos acabe gerando novas políticas públicas voltadas para a área de saúde mental do estado.
“Trabalhamos, principalmente, fortalecendo a rede de saúde mental, a rede psicossocial, cuja as atenções da maioria dos gestores não são tão predispostas. O trabalho do núcleo é recente, mas com muito esforço essas psicólogas conseguiram levantar esses números, que abrem a discussão referente a essa complicada questão. A partir desses números e diálogos, a gente consegue traduzir em novas propostas, inclusive no fortalecimento dessa rede”, finaliza.