Em Rio Branco, três adolescentes vivem em situação de rua. Jovem foge quando entra em período de abstinência.
Uso maconha, pedra, pó. Tudo”. A declaração é de um dos três adolescentes que vivem em situação de rua em Rio Branco. Em um sábado, o jovem de 17 anos foi achado dormindo em frente a um prédio desativado na área central da cidade.
O garoto já foi resgatado e levado para centros de apoio mais de dez vezes. Durante a conversa, devido à fome, e por estar sob efeitos de droga, ele conta histórias desconexas e confunde realidade e alucinação.
Unhas sujas e pés descalços. Passava das 14h quando ele disse que nem lembrava quando foi a última refeição. Acordado pela equipe, ele se acomodou ainda no chão e começou a contar a sua história de vida – ou melhor, a que acredita ser sua realidade.
Mas, no fim revela um conflito interno entre o querer sair das ruas e o da dependência das drogas. “Quero sair, mas não sei como”, diz emocionado.
A coordenadora do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria de Cidadania e Assistência Social (Semcas), Sílvia Aletícia, conta que o jovem é velho conhecido do poder público.
Em uma das várias histórias contadas por ele para sobreviver à realidade das ruas, está um irmão, um pai que morreu e um padrasto que o agredia. Mas, nada disso passa de estratégia de sobrevivência, segundo a Prefeitura.
“Viver na rua não é fácil. Então, esses tipos de relatos são comuns”, explica Silva.
A coordenadora diz ainda que há, pelo menos, quatro anos o adolescente é acompanhando pelas equipes de assistência do município.
“O último acolhimento dele foi dia 15 de janeiro deste ano. Esse garoto tem mais de dez entradas em abrigos da cidade e o máximo que ele conseguiu ficar nesses locais foram três dias. E a dificuldade é o uso da droga. Ele não consegue ficar nos abrigos porque bate a abstinência”, explica Silvia.
‘Fragilização de vínculos’
O adolescente de 17 anos tem pai, mãe e avós paternos vivos. Segundo o relatório da prefeitura, os pais se separaram. A mãe mora em Porto Velho, mas o pai está em Rio Branco. Os avós paternos também estão na capital acreana e até tentaram ajudar acolhendo o garoto, mas a tentativa não foi bem-sucedida.
“Ele inventa algumas histórias. Na verdade, a maioria dos adolescentes nessa situação são vítimas muitas vezes da fragilização de vínculos. Esse próprio adolescente, os pais são separados, ficou com a madrasta, ficou com o pai, que não tinha um bom relacionamento. Então, tem quase quatro anos que esse menino fica nas ruas. É uma situação bem complicada”, diz a coordenadora.
Pessoas em situação de rua
A coordenação da Semcas informou que atualmente a capital acreana, nesses primeiros meses de 2018, registrou 242 pessoas em situação de rua. O número já é 9% a mais do que o registrado em todo o ano passado – quando 222 pessoas estavam nas ruas.
Rede de atendimento
Silvia explica que a política social define dois termos como a base de estratégias e debates: a incompletude institucional e a plenitude do sujeito.
“Significa que uma política pública não vai dar conta desse indivíduo na sua totalidade, então, nós da assistência social trabalhamos o protagonismo, inclusão social e a autonomia desse indivíduo, mas quando tem questões de drogadição, entra a saúde. Quando abrange a questão do emprego, entra a inclusão produtiva. Então, esse indivíduo é pleno e as instituições incompletas”, destaca.
E aí que entra a rede de atendimento que abrange vários órgãos. “O morador de rua é um ser invisível para a sociedade, mas, mesmo que estejam nas ruas, temos os relatórios e perfis de todas essas 242 pessoas”, garante.
Em Rio Branco, quem vive nas ruas pode contar com o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) – onde podem fazer higiene pessoal, lavar roupa e ter acesso a alguns serviços.
Porém, o centro não abriga esses moradores. Esse papel é das unidades de acolhimento, que oferecem estadia conforme a avaliação de uma equipe especializada.
“A grande questão é a fragilização de vínculo. Por isso, somos também contra a internação compulsória, porque se já é difícil pra quem está lá porque quer, imagina pra quem não quer estar. Então, a gente respeita o tempo de cada um”, pontua.
‘A droga chegou a esses adolescentes, o Estado não’
Criado em 2013, o Ministério Público do Acre (MP-AC) conta com o Núcleo de Atendimento Terapêutico Psicossocial em Dependência Química (Natera). O objetivo do projeto é simples – tentar incentivar políticas públicas voltadas para os dependentes químicos.
Garante também que todos os órgãos que fazem parte da rede de atendimento tenham uma boa relação entre si, gerando resultados positivos.
Durante entrevista ao G1, o adolescente de 17 anos confessou que já fez pequenos furtos para comprar droga. O coordenador http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativo do Natera, o assisnte social Fábio Fabrício, destaca que esse tipo de comportamento acaba gerando um ciclo.
“Viver na rua não é nada fácil. E os meninos acabam cometendo pequenos furtos, indo parar em abrigos, pousadas e depois que atingem a maioridade, o presídio. E esse é um problema criado pela sociedade”, ressalta.
No Natera, a equipe identifica que tipo de ajuda o paciente precisa e o encaminha para a rede de atendimento.
“A questão da droga não é apenas uma questão da droga. São casos de violência, abandono e que acabam vendo na droga um refúgio, um escape”, argumenta.
A invisibilidade dos moradores, segundo Fabrício, é um dos fatores que precisam ser mudados.
“Em um olhar rápido, você não avalia os fatores. A sociedade acaba se acostumando com essa realidade, mas o mais triste é quando as instituições encaram esses casos com esse descaso”, salienta.
Entre os pedidos feitos pelo MP-AC ao Estado, ele destaca a construção de um hospital voltado para atender pessoas que realmente precisam de tratamento para se livrar das drogas. Além disso, ele defende que a questão de tratamentos voltados para vícios e doenças mentais se torne uma questão de saúde pública.
O coordenador diz ainda que é preciso pensar em uma forma de ocupar os espaços das drogas na vida desses meninos.
“O MP percebe que houve, por parte do poder público, do Executivo, uma fragilidade. Na verdade, se deixou a desejar em investimentos de saúde mental”, destaca.
Em Rio Branco, por exemplo, não há nenhum centro especializado no tratamento de pacientes viciados – como acompanhamento psiquiátrico, assistencial e de saúde.
“A droga conseguiu chegar totalmente nesses jovens – ou pelo uso ou pelo tráfico – e o Estado não teve esse alcance”, finaliza.