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Um ano após polêmica, quarto de Bruno Borges, “o menino do Acre”, está intacto e vira atração


No dia 27 de março de 2017, o sumiço de um rapaz de 25 anos em Rio Branco, no Acre, virou assunto mundial. O caso ganhou repercussão não pelo desaparecimento em si, mas por Bruno Borges ter deixado o quarto com mensagens criptografadas do chão ao teto, além de uma estátua em tamanho real do filósofo italiano Giordano Bruno. O mistério lhe rendeu a alcunha de o Menino do Acre.


Passado quase um ano desde que Borges voltou para casa — cinco meses depois de sumir, alegando que estava num “isolamento espiritual” —, o quarto continua do mesmo jeito e está disponível para quem deseja conhecer. Agora, ele dorme em um pequeno cômodo no segundo piso da casa, no bairro do Aviário, na região central da capital acriana.


As visitas são gratuitas e precisam ser agendadas por meio da editora Arte e Vida, responsável pela publicação do livro de Borges, Teoria da Absorção do Conhecimento, lançado poucos dias antes de o rapaz reaparecer. A mãe dele, Denise Borges, não sabe precisar a média de visitantes, mas diz que a procura é baixa, formada por uma maioria de pessoas de fora do estado, num interesse que começou ainda quando o menino estava desaparecido.



Denise Borges, mãe do Menino do Acre, recebe visitantes no antigo quarto do rapaz (Odair Leal/VEJA)


VEJA visitou o quarto no mesmo dia em que dois italianos de passagem pelo Acre decidiram conhecer a obra do menino.


É o próprio Borges quem recepciona os visitantes. Como há desenhos e escritos do chão ao teto, ele pede para que os turistas tirem os sapatos para que as obras não sejam danificadas.


Não há um roteiro pronto. Ele responde aquilo que as pessoas perguntam. Ele conta que passou os últimos quatro anos mergulhado na leitura de livros e desenvolvendo o projeto do quarto, que diz ter sido tirado do papel em apenas 20 dias, quando seus pais saíram de férias.


O estudante não concede entrevistas e nem deixa fazer fotografias. Diz que seu trabalho foi deturpado pela mídia, em especial pelas reportagens do programa Fantástico, da Rede Globo. Ao procurar especialistas, a reportagem mostrou que uma das linguagens usadas por ele para escrever suas obras eram códigos dos escoteiros.


Quem fala por ele é a mãe. Ela conta que, no ápice da fama repentina, o filho foi sondado até para ser garoto propaganda de uma rede de fast-food, que ofereceu um cachê de 50 000 reais para Borges aparecer dando uma mordida em um sanduíche. Ela afirma que o rapaz recusou por “não ter feito o que fez” para obter dinheiro. Já a Brastemp usou imagens do quarto como cenário, em uma propaganda tendo memes como pano de fundo. Pelo direito de imagem o rapaz aceitou apenas um computador.


Nos primeiros cinco meses pós-retorno ficou recluso em casa, sem contato com o mundo exterior. Após passar por tratamento psicológico por conta dos efeitos pós-isolamento — sobretudo por conta da repercussão que considerou negativa pela mídia e as redes sociais — ele retomou os estudos para concluir a faculdade de psicologia, frequenta uma academia e mantém uma dieta vegana rigorosa. Ele também ajuda no caixa de um restaurante da família.


No começo deste ano foi para um intercâmbio de 40 dias em Montreal, no Canadá, com o irmão gêmeo Rodrigo e um amigo. Como parte da fase final dos estudos, faz palestras para alunos da rede pública de ensino.


“Ele continua estudando muito. Ele tem um novo projeto, mas que não é de sumir”, brinca Denise. Até o final do ano ele quer iniciar um novo projeto artístico, sem revelar qual.


Borges afirma estar agora num período de férias de seus projetos. Sobre os livros que já escreveu e os deixou em mensagens criptografadas, vai lançá-los em plataforma digital e permitir o acesso de forma gratuita. Quanto ao primeiro lançado impresso, no qual o rapaz se autointitula na capa como “O Alquimista do Acre”, a mãe afirma que as vendas não foram altas, com a receita recebida não superando os gastos com a produção.


O livro chegou a figurar na lista dos livros mais vendidos do site Publishnews na categoria “Não Ficção”. Na semana entre 24 e 30 de julho de 2017, vendeu 465 cópias e ficou em 20º lugar. Entre 07 e 13 de agosto do mesmo ano, 422 obras vendidas colocaram o título na 17º posição. Depois disso, não figurou mais entre os top 20.


Entre a vida e a morte


Denise lembra que o filho voltou do isolamento com a saúde bastante debilitada pela falta de alimentação. Em alguns casos, como ele diz, foi obrigado a fazer um jejum forçado pela falta de comida. De acordo com a mãe, o Menino do Acre teve que comer até insetos como grilos para saciar a fome.


Para ela, caso o filho não tivesse tomado a decisão de voltar para casa, poderia ter morrido. Desde a volta, Borges já recuperou entre 15 e 20 quilos.


A intenção dele era passar de quatro a cinco anos em seu retiro, e até hoje não revela onde passou os meses incomunicáveis. Segundo Denise, do local do isolamento até a casa, Bruno fez o trajeto a pé. Ela diz acreditar que ele não saiu da região de Rio Branco e ficou em alguma área de floresta.


“Ele estava num lugar próximo, talvez com alguém. É o que eu acho. Uma pessoa ajudou, mas essa pessoa também não tinha o que comer”, diz Denise.


A mãe afirma que a repercussão causada pelo projeto de Borges causou transtornos à família. A volta do filho vivo para ela foi a maior das vitórias, mas que o pós-isolamento também foi de dificuldades. “Não foi um mar de rosas. (A recuperação) foi tudo com muita dificuldade. Mexeu muito com ele, com a família, a maldade das pessoas, o julgamento inadequado.”


De acordo com ela, todas as críticas e piadas feitas nas redes sociais acabaram mudando o rumo dos planos.“É como se ele tivesse um planejamento de acontecer uma coisa boa e essa coisa boa virou um monte de coisa ruim”, comenta a mãe.


Fonte: Revista Veja
Fotos: Odair Leal/Veja


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