José Meirelles trabalhou 22 anos com índios isolados do Envira e crê que além da falta de mulher, Jaminawas estão convencendo isolados a deixarem aldeia. ‘Tem tudo pra dar muito errado’, alerta.
A falta de mulheres pode ter sido um dos principais motivos que levaram dois índios que viviam isolados a abandonar a tribo, na fronteira do Acre com o Peru, e vir para a capital Rio Branco. É o que avalia o sertanista José Meirelles, que trabalhou 40 anos na Fundação Nacional do Índio (Funai), dos quais 22 exclusivamente com índios isolados na cabeceira do Envira.
“A primeira razão deles terem deixado a tribo é porque é um grupo que não tem mulher, tem cinco ou seis rapazes que não tem com quem casar, com 18, 19 e 20 anos, com os hormônios à flor da pele, a testosterona até aqui. Um índio sem mulher é inconcebível na cultura indígena”, explica.
Eles faziam a própria comida e eu notava quando eles estavam assando peixe a vergonha que eles sentiam, de carregar água. Isso é trabalho de mulher na cultura deles”.
A ausência de mulheres não seria o único motivo, ainda segundo o sertanista. Em entrevista à equipe da Rede Amazônica, ele diz que há uma interferência dos índios Jaminawas que atuavam como intérpretes na base do Xinane e foram dispensados pela Funai. O G1 tentou ouvir a Funai, mas até a publicação desta matéria não obteve resposta.
“Na minha análise, os maiores responsáveis por esses índios estarem aqui são eles mesmos [os intérpretes] que botaram pilha para os índios virem pra cá. Acabou sendo uma forma de pressionar a Funai para eles serem readmitidos”, acredita.
Os dois índios estão vivendo há cerca de 6 meses em um local improvisado na Cidade do Povo na casa da índia Mariquinha Jaminawa. A aldeia onde os dois viviam fica a seis dias de viagem de barco da cidade de Feijó, no interior do Acre.
Eles alegam que vieram para a capital porque estão fugindo da fome, da perseguição dos madeireiros peruanos e da falta de comunicação com a Funai que teria demitido os intépretes Jaminawas.
Choque cultural e riscos
O sertanista alerta ainda para os riscos dessa vinda repentina dos índios, até pouco tempo isolados, para a capital. E acredita que outros isolados venham para a cidade.
“Eles não têm a mínima noção de como funciona essa loucura nossa. Ele precisa de tempo pra entender isso. Você tem que começar a levar essas coisas pra eles devagar. Não dá pra pegar o menino no primeiro ano primário e ensinar a teoria da relatividade. Ele primeiro tem que aprender quanto é 1+1. É preciso dar um tempo a esses povos para eles entenderem como funciona o mecanismo, a nossa sociedade. E estabelecer limites”, enfatiza.
Meirelles se mostrou preocupado. “É um mal que eles [intérpretes] podem estar fazendo para esses rapazes que estão na Cidade do Povo, um lugar com muitos problemas, com drogas etc.”
Já cortaram o cabelo tipo Neymar, os caras não sabem falar português, não têm a mínima noção de como funciona o nosso mundo. Qual é o futuro desses dois rapazes? De isolado à aviãozinho de drogas, já pensou?
Para ele, as consequências podem ser irreparáveis.
“Isso tem tudo pra dar muito errado. Você já pensou se esse pessoal que mexe com droga na Cidade do Povo alicia um índio desse?”, questiona.
Funai sem recursos
O sertanista explica ainda que a Funai apesar de ter experiência de como agir em caso de contato com os índios isolados, não tem nenhuma metodologia do que fazer no pós-contato.
“A Funai tem experiência, mas não tem uma metodologia do que fazer no pós-contato. Não tá escrito em manual nenhum de pós-contato que de repente depois de quatro anos de contato, o cara tá morando num bairro periférico da cidade, com o cabelo amarelo”, diz.
Meirelles também criticou a falta de investimento do governo federal no órgão.
“A Funai vem num processo de desmonte, não acabaram com a Funai ainda porque pega mal internacionalmente. O orçamento de 2018 é o mesmo de 2003. A Funai está com um problema sério de pessoal e de dinheiro”, afirma.
Primeiro contato com os isolados
Em 2014, o sertanista acompanhou todo o processo de contato feito entre isolados e os ashaninkas, na Aldeia Simpatia, da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira.
“Eu estava lá no primeiro dia que eles apareceram. Eu já não trabalhava mais na Funai, mas eles estavam dando sinais na aldeia ashaninka. A base que eu trabalhei também foi invadida por narcotraficantes peruanos depois que eu saí de lá. Aí, a Funai abandonou a base por três anos, ninguém foi mais lá com medo”, diz.
Ele explica que os índios só buscaram contato porque estavam sendo atacados por narcotraficantes peruanos.
“Era um grupo grande e sobrou 35, o restinho que sobrou resolveu se entregar. Na minha visão, fizeram contato não porque queriam conhecer o mundo. Se não tivesse acontecido nada com eles, se não tivessem tentado matar eles nas malocas, eles estavam no mato até hoje”, assegura.