G1 ouviu mulheres que trabalham em postos de combustíveis de Rio Branco e sofrem com os frequentes assédios.
Elas chegam cedo ao trabalho e procuram atender todos com um sorriso no rosto e muita simpatia. As cantadas e ‘brincadeiras’ são frequentes no meio em que elas trabalham, mas muitas vezes extrapolam todos os limites.
No Dia Internacional da Mulher, o G1ouviu relatos de mulheres frentistas que sofrem assédios constantes em postos de combustíveis de Rio Branco.
“A pessoa começou a se masturbar olhando para mim. Só vi quando estava terminando e fui receber o dinheiro. Me senti agredida”.
O relato é da frentista Mayklane Rodrigues, de 26 anos, mãe de um menino de 8 anos. Ela conta que além de elogiar o sorriso dela, clientes fazem pedidos de casamento, chamam para sair e chegam até a tentar passar a mão em alguma parte do corpo.
“Você tem o sorriso muito bonito, é a mais bonita das frentistas. São esses tipos de coisas. Passa a ser ofensivo quando é algo já sexual ou quando chegam e dizem que tenho o bundão. Isso é muito agressivo”, contou.
Eliana Souza também passou por um sufoco durante o trabalho. Casada e mãe de dois filhos, ela conta que um cliente ofereceu dinheiro para ela passar a noite com ele. Bem humorada, Eliana soltou um sorriso constrangido e se afastou do cliente.
“Era um cliente mais velho, chegou e disse que pagaria mil reais para passar uma noite comigo. Fiquei só rindo, porque temos que levar as coisas na brincadeira, mas saí de perto”.
Eliana exibe uma aliança na mãe esquerda e diz que nem o fato de ser casada inibe as investidas dos clientes. Ela explica que um simples elogio não ofende, é até visto de bom agrado, mas passa a ser ofensivo quando os clientes não percebem que estão sendo desagradáveis.
“São elogios do tipo ‘você é muito bonita’. Mas, isso é muito relativo, mas se der espaço, acaba acontecendo. Recebemos muitos elogios todos os dias”, contou.
Frentista há quase três anos, Joelda Bessa, de 35 anos, tenta levar as situações na brincadeira para não ser grossa ou ofender alguém. Para ela, ser simpática durante o atendimento não deveria ser interpretado como segundas intenções.
“Às vezes, por você ser simpática, acabam confundido. Ser simpática faz parte do bom atendimento ao cliente e não abre precedentes para assédio. Claro que não são todos, a maioria respeita”.
Divorciada e mãe de dois filhos, Joelda revela o que mais irritou durante esses quase três anos como frentista.
“Pode falar o que for, mas pegar irrita. Uma vez estava no caixa e um homem pegou na minha orelha, fiquei irritada e não gostei. Não falei nada, esperei acontecer uma segunda vez”, relembra.
Com um boné na cabeça e um batom rosa passado de leve na boca, Romenia Pinto, de 28 anos, se aproxima do cliente e ouve o pedido com o semblante sério. A atitude é uma estratégia para evitar brincadeiras e piadas.
“Faço meu trabalho e não converso muito. Corto e não permito. Uma vez o homem disse que se ganhasse mil reais [da promoção] me levaria para jantar. Disse obrigada, mas estava ali para abastecer “.
Mesmo com toda seriedade, Romenia relembra de outras situações constrangedores. Certa vez, o marido dela flagrou um cliente entregando uma flor e um bombom para ela.
“Quando trabalhava em outro posto, meu marido chegou na hora que um cliente me dava uma flor e um bombom. Foi bem na hora. Meu marido é bem tranquilo e não deu problema”, comenta.
Os olhos verdes de Michele Cristini, de 37 anos, são alvos constantes de brincadeiras dos clientes. Ela diz que procura levar tudo na esportiva e que nunca foi ofendida durante uma cantada. Mesmo casada, a frentista conta que já foi pedida em casamento, recebeu flores e bombons no trabalho.
“Seus olhos são encantadores, todo dia passo por aqui por causa de você. Passam e gritam ‘bebê’ ou fazem corações com as mãos”.
‘Não admitimos esse tipo de coisa’, diz empresário
O empresário Júnior Santana, do posto onde ocorreu o caso que a frentista relatou que o cliente chegou a se masturbar, contou que trabalha com sete a oito colaboradoras mulheres, mas que elas nunca falaram nenhum tipo de problema durante o horário de trabalho. Ele disse que todas as funcionárias são tratadas com respeito.
“São submetidas a esse tipo de risco, mas nunca foi repassado para a gerência nenhum tipo de problema. Nesse caso, se for relatado, vamos encaminhar essa colaboradora para a delegacia para tomar as medidas possíveis. Não admitimos esse tipo de coisa”, afirmou.
Alan Pinheiro, dono do Auto Posto Mercado do Bosque, disse que quando as funcionárias relatam alguma coisa é mais algo relacionado a elogios.
“Clientes que se admiram com alguma pessoa, ou paquera. Mas, ficamos sabendo mais de forma corriqueira, nada como denúncia. Até hoje nunca teve ou não ficamos sabendo”, afirma.
Ele diz ainda que as funcionárias são instruídas a relatarem qualquer tipo de atitude irregular ou tendenciosa dos clientes. “Um assédio é irregular. Você tem que tratar isso. Se algum dia tiver algo mais sério, vamos entrar para resolver. Mas, até agora, não houve essa necessidade”, falou.
‘Mulheres não precisam aceitar isso’, diz doutora em psicologia
Professora da Universidade Federal do Acre, Madge Porto, que é doutora em psicologia clínica e cultura, explica que o assédio ainda é visto como natural na sociedade em que vivemos.
“Isso acontece, porque a mulher é vista como um objeto. É como se ela fosse um objeto à disposição. Quem é sujeito de desejo na nossa sociedade patriarcal são os homens. Eles que têm vontades e as mulheres se submetem às vontades dos homens. É assim que os homens aprendem na infância e adolescência e é assim que as mulheres aprendem, que elas tem que aceitar”, explica.
Ela diz que as mulheres não podem aceitar o assédio e precisam reagir. Ela diz que os homens precisam perceber as mulheres como pessoas que têm direitos, como pessoas que podem fazer escolhas.
“E que as mulheres entendam que elas não precisam aceitar isso, que elas são pessoas com direitos e podem reagir a isso. Só que a reação pode representar muitas coisas, no caso das frentistas, como a demissão. Pode ser que elas sofram violência física. É muito complexo isso”, avalia.
E neste Dia Internacional da Mulher, a pesquisadora faz um convite à reflexão e à mudança de comportamento.
“As pessoas perguntam porque as mulheres não fazem nada? Por que não é fácil fazer. Não é fácil enfrentar o sistema onde em qualquer lugar que você vá, você é responsável. É um processo que a gente ainda vai demorar muitos anos. Hoje é um dia pra gente poder parar e pensar sobre isso. Mesmo que a gente receba um chocolate, florzinha e os parabéns. Vamos colocar na pauta a luta que é necessária principalmente no momento de retrocesso que a gente tá vivendo”, conclui.