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EXCLUSIVO: Políticos, fazendeiros e advogados podem estar infiltrados nos negócios milionários das facções no Acre

A partir da série de reportagens Tribunal do Crime, editada com exclusividade no final de semana passado, a redação do ac24horas recebeu e-mails de acadêmicos interessados em colaborar cientificamente com a linha de investigação sobre as facções criminosas instaladas no estado do Acre. O desfecho da história de Déborah Bessa, de 19 anos, morta com requintes de crueldade e que teve vídeo exposto nas redes sociais, provocou uma verdadeira convulsão social, despertando ainda mais o interesse pelo tema que vem pautando o Acre até a nível internacional: a segurança pública. A série foi o conteúdo mais acessado no final de semana. 200 mil pessoas foram alcançadas nas redes sociais. Foram 166 mil cliques. 500 compartilhamentos e 3 mil curtidas.


A resposta rápida na captura e apresentação dos culpados pela chacina, com direito a entrevista coletiva com a presença do secretário de segurança pública e pré-candidato a vice-governador pela Frente Popular do Acre, Emylson Farias, para especialistas da área de segurança, reflete o discurso político-governamental de satisfação simbólica que visa esconder as verdadeiras causas da criminalidade urbana, mascarar a incompetência do estado no combate a violência e de revelar os “peixes grandes” que podem estar por trás das organizações.


Além dos trabalhos acadêmicos que foram compartilhados, a reportagem ouviu a doutora em ciências sociais, Eurenice Oliveira, estudiosa sobre o tema: disputas pelas rotas estratégia de mercado/sobrevivência, pela Universidade Federal do Acre. “É uma sociedade sem direção moral e intelectual para promover o bem-estar e a segurança para todos os cidadãos. A classe dirigente não tem competência para dirigir a sociedade, deixando o vazio para ser preenchido por todas as formas de brutalidade, inclusive com as formas de atuação que ameaçam a vida e instalam o terror como forma de gestão social”, analisou Eurenice.


Para a especialista em comportamentos da sociedade humana, a brutalidade é uma tática selecionada para manter a sociedade no terror cotidiano que desmobiliza, desinforma e amedronta, confinando homens e mulheres ao espaço do privado, da domesticidade murada e guarnecida com câmeras digitais e cercas elétricas.



“Não há limites para a brutalidade e o terror é o estado constante, que vai pulsando como as batidas do coração e submetendo a sociedade à desconfiança, medo, incertezas”, acrescentou a doutora.


Colocando uma pimenta a mais no debate, o Delegado aposentado, Walter Prado, que saiu da ativa levando na bagagem a alcunha de Xerife, ignora os conceitos sociológicos. No seu estilo durão, e com a experiência de quem comandou uma Força-Tarefa na Polícia Civil na gestão do ex-governador Jorge Viana, Prado afirma que é preciso discutir o tema com positividade e com quem realmente entende do assunto.


“Eu tenho dito a esses sociólogos comunistas que todo esse conhecimento está longe de ser um saber empenhado em pensar segurança pública de maneira positiva. O que aconteceu foi um vácuo, nesses seis anos sucatearam as polícias. Como cidadão, eu quero saber para onde foi tanto dinheiro enviado para segurança pública pela ex-presidente Dilma e o atual presidente Temer”, opinou o delegado.


Um trabalho liderado pelo estudante do oitavo período de direito, monografia: Organizações Criminosas, Estrutura e Ações Coordenadas, foi a outra frente de pesquisa. O acadêmico, que pediu para não ter seu nome revelado, critica com dados científicos a atuação da Segurança Pública.


“O sistema de segurança despreza ou investe muito pouco, em uma das chaves para combater as organizações criminosas que é o programa de proteção a testemunha. O maior incentivo nesse instrumento legal poderia aproximar as pessoas que sofrem ameaças constantes e, por isso, têm medo de delatar as lideranças e estratégias das facções”, disse o acadêmico de direito.


Essa semana, o secretário de segurança do estado, Emylson Farias, diferente do discurso que manteve até final do ano passado, disse que se nada for feito, “daqui 10, 20 anos estamos pior do que a Colômbia”.


Deixando a conflitualidade dos paradigmas que marcam as discussões do tema à parte, os entrevistados cobram do governo, a revelação e punição dos verdadeiros “peixes grandes” que os estudos apontam que podem estar por trás do comércio milionário levantado pelas facções criminosas.


“Já que ninguém sabe, podemos afirmar que muito mais gente se beneficia do tráfico de drogas e/ou é um agente direto desse mercado”, acrescenta Eurenice.


Se por um lado a sociedade cobra ações mais enérgicas e a prisão dos “peixes grandes”, na contramão desse pensamento cientifico, o estado que mais prende é o que menos investiga e tem péssimo índice de elucidação dos crimes. No mês nacional do Júrí, teve dias sem pauta e sem processo para instruir. A impunidade, ver os “batismos” das facções, se tornarem um fenômeno. Janeiro entrou para a história como o mais violento das últimas décadas, com mais de 45 mortes violentas.


“Conselhismo: seria irônico se não fosse trágico”

Ao analisar a formação de conselhos que no mundo do crime decidem quem vive e quem morre, a doutora em comportamento da sociedade humana, Eurenice Oliveira, lembrou dos colegiados escolares, http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrativos, onde se toma decisões para democratizar escolhas, responsabilidades e atingir metas.


Para ela, “seria irônico se não fosse trágico (…) o fato de nas facções criminosas, o menor vacilo, paga-se com a vida na organização e na sociedade”.


A doutora segue abordando que na vigência do Estado de direito, é um paradoxo considerar que existe um grupo social ligado à prática de todas as atividades criminosas, as tais gangues de bairros, que têm o poder de praticar qualquer tipo de violências contra os cidadãos e cidadãs, principalmente matar ou morrer. “É um indicativo de que o Estado não cumpre o seu papel para garantir as condições mínimas da existência humana”, argumenta a socióloga.


Eurenice não menciona a prática da violência contra os criminosos, por que segundo ela, não é eficiente. Para a estudiosa sempre houve mãos decepadas, paus-de-arara, choques, arrancados de unhas, ranger de dentes e mortes por torturas. “O que é raro ou nunca existiu são os policiais bem remunerados e com garantias sociais, ou trabalhadores valorizados e salários para uma vida digna”, citou Eurenice.


O que existe por trás das “fragilidades” de nossas fronteiras?

Ao analisar a ligação do tráfico de drogas com a fragilidade das fronteiras, a pesquisadora converge com os demais estudiosos ouvidos pela reportagem sobre o caso, fazendo uma profunda reflexão sobre a atuação de cada cidadão e sua área de atuação. Ela questiona: “A segurança nas fronteiras é frágil? Mas lá estão o Exército nos quartéis e nas várias operações em bases, às margens dos rios. Lá estão, também, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, a Polícia Civil nas delegacias, e a Polícia Militar! Todas as instituições que garantem o monopólio do uso da força pelo Estado, validadas pelas normas e regras constitucionais, para garantir o território, a propriedade privada, a segurança dos cidadãos, o direito de ir e vir, etc. Devo pensar que são frágeis? ”


A pesquisadora chama atenção para as grandes faixas de terras ocupadas por fazendeiros que vão das margens dos rios até das grandes estradas federais. “Devo pensar que esses fazendeiros não sabem o que se passa nas suas propriedades? Não conseguem montar milícias paramilitares para proteger as terras das rotas de tráfico?“, volta a questionar a estudiosa.


Ainda de acordo Eurenice, a atitude dos fazendeiros com relação ao suposto tráfico que passa nas suas fronteiras é bem diferente de quando ocorre um acampamento de sem-terra. “Eles mobilizariam céus e terras, mas manteriam suas propriedades ‘em segurança’, observa.


Para a estudiosa, assim como fazendeiros, comerciantes das cidades de fronteira, políticos e vereadores, além de outros agentes públicos, convivem diariamente com a tragédia dos cidadãos e seus problemas, “mas ninguém sabe de nada!?”, pergunta. “Já que ninguém sabe, podemos afirmar que muito mais gente se beneficia do tráfico de drogas e/ou é um agente direto desse mercado”, acrescenta Eurenice.


“Se a gente não prestar atenção, daqui 10, 20 anos estamos pior que a Colômbia”, diz Emylson Farias

Depois de negar décadas a existência do Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho atuando no estado do Acre, o secretário de segurança pública, Emylson Farias, parece ter jogado a toalha e após ter seu nome oficializado como pré-candidato a vice-governador, pela Frente Popular do Acre, mudou o discurso, tem afirmado que, nas duas próximas décadas, o Acre pode estar pior do que a Colômbia.


Um trabalho liderado pelo estudante do oitavo período de direito, monografia: Organizações Criminosas, Estrutura e Ações Coordenadas foi a outra frente de pesquisa da editoria.



O acadêmico concorda com o secretário Emylson Farias quando este afirma que a explosão das facções no Acre, embora o Bonde dos 13 tenha sido criado em 2013, foi a partir da execução de Jorge Rafaat Toumani, em Pedro Juan Caballero, em junho de 2016, na cidade de Pedro Juan Caballero, fronteira com o Mato Grosso do Sul. Ele era considerado pelos Estados Unidos como um dos barões do tráfico internacional de drogas e armas na fronteira e informes obtidos pela polícia apontariam atuação do PCC no ataque.


Mas, discorda do modus operandi como a secretaria atuou no combate as facções criminosas no estado. Para ele, foi um erro de estratégia as autoridades esconderem a presença das facções até estas se alastrarem na zona urbana de Rio Branco e cidades interioranas. “Tudo leva a crer que eles sabiam de tudo e pouco fizeram para combater o crescimento dessas organizações”, comenta.


Ainda de acordo o acadêmico, o estado continua pecando quando despreza elementos de investigação legais, como o Programa de Proteção à Testemunha. “O sistema de segurança despreza ou investe muito pouco, em uma das chaves para combater as organizações criminosas que é o programa de proteção a testemunha. O maior incentivo nesse instrumento legal poderia aproximar as pessoas que sofrem ameaças constantes e, por isso, têm medo de delatar as lideranças e estratégias das facções”, acrescentou.


O pesquisador não cita nomes, mas é um dos que engrossa o discurso da presença de membros das facções em todos os segmentos sociais. A rota do Norte pela fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela, como porta de entrada marítima de drogas e armas, segundo sua tese, é o ponto de maior interesse na guerra entre PCC [Bonde dos 13] e Comando Vermelho [FDN].


O estudo aponta que esse rompimento bilateral das facções após apoio do CV a grupos rivais do PCC em vários estados é responsável pela matança dentro dos presídios e nas zonas urbanas de várias cidades brasileiras, inclusive, o Acre.


Nesse contexto, o pesquisador da universidade federal do Acre afirma fazer sentido as declarações de Emylson Farias e sua preocupação com as próximas décadas. Seu foco é, principalmente, a evolução do Bonde dos 13 e a parceria com o Primeiro Comando da Capital.


O grupo notabiliza-se de plano por ser a organização criminosa mais próxima da fronteira com a Bolívia, conhecida por ser uma das maiores produtoras de cocaína do mundo, e devido ao seu “sucesso” no desenvolvimento de diversas empreitadas criminosas em âmbito local, o conjunto de fatores de ser uma excelente rota para traficância internacional de entorpecentes, junto com o domínio imposto em diversas localidades acreanas, fizeram que o grupo não passasse despercebido no cenário obscuro da criminalidade”, analisa o acadêmico.


Para ele, tais fatos chamaram atenção do PCC, onde os acreanos celebraram uma parceria carreada por uma maior sofisticação estrutural em sua base interna e uma ascensão em seu poderio ofensivo, “o que faria da facção acreana uma grande potência na criminalidade da região norte brasileira, e proporcionando ainda a possibilidade de faturamento e divisão nesta aliança para ambas as organizações, em virtude da vulnerabilidade fronteiriça existente na rota Acre/Bolívia”, concluiu.


“Pobres matando pobres; quem se ocupa em debater segurança pública?”, questiona Xerife


O delegado aposentado de Polícia Civil Walter Prado afirma que no Acre o que aconteceu foi um imenso vácuo no sistema de segurança pública que permitiu, nos últimos anos, o sucateamento do sistema, permitindo a guerra urbana travada, segundo o especialista, por bandidos perversos, “pobres, matando pobres”.


O Xerife afirma que não existe nenhum nome entre os que estão sendo investigados pelo Departamento Especializado no Combate ao Crime Organizado (DECCO), que seja de fora. Esse fator leva o delegado não reconhecer as organizações criminosas como facções.


“Conversei com o juiz da Vara de Execuções Penais e todas essas pessoas que estão ai praticando crime, são acreanos. Não tem ninguém de fora”, acrescentou Prado.


Ao salientar que as polícias do Acre são as melhores do país, o especialista cobra mais estrutura e resultados. Ele afirma que de 94% de crimes que eram elucidados, esse percentual caiu para menos de 50%.


“De 2017 que tivemos 450 homicídios, só temos 57 ações penais em curso. Então tudo é conversa fiada. Ao praticarem crimes com requintes de barbárie e fazer vídeos, esses bandidos estão dizendo que nossa segurança é besta”, desabafa o delegado.


Ele critica o sistema que na sua opinião dá aos executores status de pop-star. “Um absurdo isso”, acrescenta o Xerife. O delegado disse que está levantando dados que vão demonstrar para sociedade acreana, um montante expressivo de recursos que foram destinados para a segurança pública no Acre.


“Eu como cidadão vou cobrar onde foi aplicado tanto dinheiro que veio para a segurança na época da Dilma e do Temer e, a partir daí, fazer uma discussão com a sociedade. Ao contrário de aplicação o que se viu foi um vácuo no sistema”, argumenta o especialista.


Se confirmado a ausência correta de investimentos no setor, o Xerife afirma que estará convicto de que o estado é, afinal, o maior produtor de violência. “Ai sim vamos colocar na conta dos gestores esse verdadeiro massacre que vivemos”, falou.


O delegado critica o fato do secretário de segurança pública ser pré-candidato a vice-governador, exercendo a função mais alta da cúpula investigativa da federação. “Quem é que se ocupa em debater segurança pública com positividade?”, concluiu Walter Prado.


O estado que mais prende é o que menos investiga e elucida crimes ligados em tese as facções

Não há dados científicos, mas especialistas na área jurídica e segurança pública costumam dizer que a sensação de impunidade é um dos motores da criminalidade. Quando um criminoso acha que dificilmente será punido, ele se arrisca.


No Acre esse efeito pode estar acontecendo nos chamados “batismos”, que segundo o estudo acadêmico Organizações Criminosas, Estrutura e Ações Coordenadas, é a exigência para entrada de um indivíduo em uma facção. A monografia afirma que nessa especialidade, “o B13 se consolidou como um fenômeno local, tendo se espalhado e propalado uma preocupação que gerou ações de combate por parte do Governo do Acre, sobretudo após as mensagens realçadas nas músicas autorais da facção acreana, onde estes ameaçaram diretamente a vida de policiais atuantes no combate ao grupo”, diz o documento.


Em fase de conclusão para ser apresentado ainda este ano para uma banca de examinadores da Universidade Federal do Acre, a pesquisa afirma que essa ação, pelas facções, disseminou uma forma de “crescimento às avessas” do modo que grandes organizações criminosas nacionais se consolidaram, fazendo dos crimes contra o patrimônio e contra a vida, sua principal fonte de faturamento e consolidação no cenário empresarial obscuro que carregam estas facções contrárias à lei.


De fato, nossas policias são as que proporcionalmente mais prendem e mais colocam cidadãos atrás das grades. A ideia é que a repressão, com provas contundentes, diminui a probabilidade do livramento do cárcere, mas na prática não isso que vem acontecendo.



Em recente entrevista concedida à imprensa, o juiz do Tribunal do Jurí do Tribunal de Justiça do Estado, Leandro Gross, afirmou que o número de inquéritos de homicídios que chegam até a Justiça é insignificante levando em consideração o alto índice de casos registrados no estado em 2017.


Os dados já foram realçados pelo delegado Walter Prado. Dos 450 casos de homicídios e chegaram até a Justiça somente 57 inquéritos. O Ministério Público do Acre apresentou pouco mais de 100 denúncias nas duas varas criminais do Fórum de Justiça de Rio Branco. “É visivelmente um número muito insignificante para o estado atual”, disse o juiz Leandro Gross.


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