A cidade de Rio Branco cresce como rabo de cavalo, para baixo, dizia há anos o excêntrico Edvaldo Guedes, morto na década passada, depois de filosofar pelo Acre por quase 40 anos, discorrendo verdades que muitos insistiam em não ouvir. Hoje a declaração dele não seria nenhum exagero. A capital do Acre só viveu um planejamento nos anos 1980. Foi esse o único período em que a cidade foi “projetada” para se expandir em regiões fora do alcance, principalmente, da margem do rio Acre. Por meio de estudos os bairros evoluíram para a parte alta, até voltar a crescer desordenadamente outra vez, a partir dos anos 1990. Essa é uma realidade questionada por quem conhece do assunto como ninguém, os engenheiros Roberto Feres, urbanista que trabalhou nos abrangentes estudos para obras estruturantes naquela época, e o engenheiro agrimensor Wiliam Bitencourt, que disputou recentemente a presidência do Crea-Acre, procurados e provocados pelo Blog do Evandro Cordeiro. Veja o que eles disseram:
Blog – Professor Roberto Feres, como urbanista que trabalhou em estudos para obras estruturantes de Rio Branco há cerca de três décadas, o senhor sabe dizer se aquilo que foi iniciado na sua época, sob a ordem de prefeitos, não teve continuidade? Não foram feitos mais estudos nesse sentido? Por essa razão é que a cada inverno é a mesma cantilena, com proveitos políticos e etc..?
Roberto Feres – Desconheço que haja estudos abrangentes realizados nos últimos 30 anos, principalmente de drenagem. Rio Branco tem um relevo bastante plano e para a realização de projetos para as sub-bacias é necessário conhecer bem esse relevo. Só vejo serem realizados levantamentos pontuais de topografia para obras localizadas (desapropriações, arruamento, loteamentos, trechos de redes de água, esgoto e drenagem), mas não para uma escala de projeto integrado.
Blog – Quando foi feito este último levantamento?
Roberto Feres – O último levantamento altimétrico de Rio Branco foi realizado em 1982 e, na escala adequada para esse tipo de estudo, abrangia somente a parte que era ocupada naquela época. As obras que tenho visto acontecer, ou são a limpeza e retificação dos canais principais (Maternidade, Palheiral, Fundo etc) para a transformação das margens em parques lineares ou intervenções pontuais, como as da Getúlio Vargas, onde deu uma das enchentes recentes, da Rio de Janeiro (Floresta), Ceará, em frente à obra do SEBRAE. Em alguns casos, como na esquina do Juventus, há indícios de que a rede foi subdimensionada. Essa tem sido uma informação recorrente que me é comentada por ex-alunos que atualmente trabalham em empresas de construção. O certo é que muitos serviços parece estarem sendo realizados sem projeto ou com estudos precários.
Recentemente acompanhei da janela a realização de uma pequena rede na esquina do prédio da PF com a 364, com a finalidade de solucionar um empoçamento em frente à obra do TRE. Coisa para se fazer em uma semana, demorou mais de um mês. O bueiro da esquina ficou completamente fora do alinhamento da rua e, em breve, terão que refazer parte do trabalho.
Os projetos e planos relacionados à drenagem da cidade são de competência das secretarias da prefeitura. Ora do planejamento, ora da obras. Porém as obras recaem sobre a Emurb, geralmente. É sabido que a empresa passou por sérios problemas de gestão e isso eu acredito que contribuiu para a desorganização nessa área.
O que consta é que muitas mudanças estão em curso por lá e que as coisas mudaram muito nos últimos meses.
Em relação às drenagens é necessário que todas as intervenções passem por uma avaliação técnica de dimensionamento para que se garanta que a tubulação vai aguentar as maiores vazões provocadas pelas chuvas e também que se crie uma rotina de manutenção e limpeza das redes existentes.
Blog – Então Rio Branco tem, de fato, crescido como rabo de cavalo, para baixo?
Roberto Feres – (rsrsrs) Os conjuntos fora do raio de ação do rio Acre foram construídos nos anos 1980. É bom lembrar que, na medida que a cidade vai sendo ocupada, as condições de escoamento da água mudam. Por exemplo: a região do shopping, que até poucos anos atrás era um matagal que não deixava a água escoar rapidamente para o igarapé, inclusive aumentando a capacidade de infiltração no solo. Com a construção do shopping, loteamentos, Havan, Cidade da Justiça etc, os terrenos foram “impermeabilizados” pela pavimentação, gramados e construções e a água que cai vai muito mais rapidamente para o igarapé e também infiltra muito menos no solo, aumentando a vazão e provocando as inundações que vimos recentemente. Por isso é necessária a realização constante de verificação da evolução da ocupação e do dimensionamento das redes existentes. Um exemplo: o planialtimétrico realizado em 1982, na escala 1:2000, acabava no Tangará.
Blog – Professor Wiliam Buitencourt, como se reduziria o número de flagelados a cada cheia do rio Acre, que sempre rende politicamente, mas castiga uma boa parte de moradores?
Professor Wiliam – Para acabar ou reduzir com esta indústria de flagelados por ocasião das enchentes, o primeiro passa seria a evacuação do contingente populacional das áreas ribeirinhas, possibilitando a eles uma alternativa de moradia decente e, não permitindo a reocupação das áreas desocupadas. Este seria o primeiro passo para se resolver um problema social grave e interromper o ciclo de calamidade pública relativo às enchentes. Seria o início do fim da nefasta indústria de recursos financeiros em função da desgraça dos mais miseráveis…
Recursos que, provavelmente, não sejam utilizados em prol dos atingidos na catástrofe.