Há quase 40 anos no mercado, loja de CDs perde guerra para internet e fecha as portas no AC: ‘não dá mais’, diz dono

Discardoso vai encerrar as atividades no fim deste mês. Dono do empreendimento alega que concorrência contra a pirataria e internet não permitem mais continuidade do negócio.


Da vontade de menino de seringal até a mais famosa e longa loja de discos de Rio Branco foi um longo percurso. A Discardoso, a mais antiga loja de CDs e DVDs da capital acreana, fez parte da história do cotidiano rio-branquense durante 37 anos.


Depois de todo esse tempo, no fim deste mês, o estabelecimento fecha as portas. O motivo? A concorrência desleal contra a pirataria e internet.


Marciano Cardoso, proprietário da loja, teve a ideia de criá-la em 1974, quando tinha nove anos e morava em um seringal na cidade de Xapuri, interior do Acre.


E a ideia virou decisão quando ele escutou um trecho da música “Um Chopp para Distrair”, do cantor Paulo Diniz. “A parte da música falava: ‘ela parou na loja de discos e escutou a canção que fiz pra ela’. O trecho ‘na loja de disco’ ficou na minha cabeça e eu disse que um dia ia ter uma loja de discos”, relembra.


O sonho não se tornou realidade logo de cara. Em 1979, Cardoso se mudou para Rio Branco e começou a trabalhar para o irmão, que além de ser músico, já atuava no segmento há algum tempo.


“O Jorge já tinha a Discolândia Cardoso e trabalhei dois anos com ele. Depois desse tempo, resolvi montar meu próprio negócio. O meu patrimônio nessa época era 35 Long’s Play (LP), a cara e a coragem”, conta.


E o negócio surgiu da maneira mais improvável e em cima de duas rodas. Cardoso usou uma bicicleta para fazer suas primeiras vendas.


A bike tinha uma caixa na garupa, onde ele armazenava os LPs. Com um caderno, caneta e os discos, ele começou a bater de porta em porta para oferecer os produtos. Os primeiros clientes eram os mesmos que frequentavam a Discolândia Cardoso quando ele estava lá.


“Os clientes compravam, eu anotava no caderninho e no mês seguinte voltava, mas não para cobrar e sim para oferecer mais produtos. Eu comprava os LPs do meu irmão, que me dava um desconto. Com seis meses que estava fazendo isso, eu já tinha uns 400 LPs e não dava mais para carregá-los na bicicleta. Um dia minha mãe disse que se eu quisesse alugar um ponto, ela me ajudava”, relembra o empresário.


O primeiro mês de aluguel foi pago pela mãe. E assim, em 5 de janeiro de 1981, nasceu a Discardoso. A primeira sede física da loja ficava no bairro Estação Experimental, onde hoje funciona a Caixa Econômica Federal.


O pai ajudou Cardoso e conseguiu madeiras para fazer as prateleiras. A quantidade de LPs era tão pouca que nem preenchia todo o espaço reservado.


“Passamos três dias sem vender nada e eu fiquei pensando que ia dar zebra. Mas, no terceiro dia, apareceu um cliente que comprou fitas, LPs e agulhas de vitrola. A partir daí, não paramos mais. Por ter trabalhado com meu irmão, aprendi muita coisa, agradeço muito a ele. Acho que fui o primeiro empresário a comprar LPs de bandas como Pink Floyd, Iron Maiden e outras. Quando abri essa diversidade de opções, foi que crescemos”, afirma Cardoso.


Dono afirma maioria do acervo da loja é raro (Foto: Luan Cesar/G1 )

Dono afirma maioria do acervo da loja é raro (Foto: Luan Cesar/G1 )


Expansão

A expansão do negócio veio nas décadas de 80 e 90. Em 1983, a loja saiu da Estação e foi para o Centro, em um estabelecimento que já não existe mais. Em 1984, a Discardoso se instalou na Galeria Meta.


Foi entre o final dos anos 1980 que o ramo foi expandindo em Rio Branco. Cardoso chegou a ter cinco lojas. Eram duas na Galeria Meta, uma na Epaminondas Jácome, outra no Bosque e um pequeno ponto na Praça da Bandeira. Segundo ele, esse período foi ápice dos LPs.


Com a chegada dos CDs no mercado brasileiro, em 1990, o empresário resolveu fazer uma aposta. Ele foi até Manaus, no Amazonas, e comprou alguns toca discos e muitos CDs.


Ele conta que parou com a venda dos discos de vinil e em 1991 já não tinha nenhum deles nas lojas. O criador da Discardoso afirma que os novos produtos geraram um fascínio nas pessoas que moravam na cidade.


“Fizemos uma promoção dos vinis e vendemos tudo para começar com os CDs. Mesmo sem ter o aparelho para ouvir, muitas pessoas iam na loja essa época para comprar os discos. O produto foi muito bem aceito na cidade, era muito atraente para as pessoas. Quando o CD chegou por aqui, houve um ‘boom’. Vendíamos muito mesmo. Criei até alguns mecanismos para fidelizar os clientes”, explica Cardoso.


Ele lembra que uma das formas de fidelizar a clientela eram os tíquetes. As pessoas que compravam um CD ganhavam um ticket. Ao ter 10 bilhetes, o cliente podia escolher um CD sem pagar nada por ele.


O empreendedor afirma que os concorrentes também usaram a ideia, mas que a concorrência sempre foi honesta e saudável, o que levou ele até outras lojas do segmento.


“Se o cliente tivesse 10 tickets e cinco fossem da minha loja e o restante das concorrentes, mesmo assim eu trocava eles pelo CD. Era uma forma de conquistar e fidelizar as pessoas. Mas, quando eu juntava os 10 tickets das concorrentes, ia nas outras lojas buscar um disco. Fazer isso não tinha problema nenhum. Os proprietários me achavam astuto por causa dessa sacada”, lembra rindo Cardoso.


Loja funciona no Centro de Rio Branco (Foto: Luan Cesar/G1 )

Loja funciona no Centro de Rio Branco (Foto: Luan Cesar/G1 )


Ajuda e visitas ilustres

Marciano Cardoso conta ainda que a Discardoso não fez parte somente da vida dos clientes. Segundo ele, a loja serviu de vitrine para muitos músicos acreanos divulgarem seus trabalhos. A ajuda, para o empreendedor, sempre foi uma forma de valorizar os trabalhos produzidos no estado e de levar o nome da música acreana para todos os lugares possíveis.


“Toda a moçada da música sempre está por aqui, tanto da velha guarda quanto essa meninada nova. A gente conhece todo mundo e sempre manteve um bom contato. O artista gravava um CD, colocava aqui na loja e estampávamos na vitrine. Fiz isso com o Da Costa, Auricélio Guedes, Geraldo Leite, meu próprio irmão Jorge Cardoso e outros”, explica o empresário.


Ele afirma ainda que fez o mesmo com a geração mais jovem, como as bandas Los Porongas e Descordantes. O dono da Discardoso conta ainda que recebeu algumas visitas. Algumas delas foram muito ilustres e inimagináveis.


Ele conheceu e conversou com muitos artistas nacionais da sua época dentro da Discardoso. Para ele, a cada nova vista ilustre, uma emoção diferente.


“Em duas ocasiões o João Donato veio aqui na loja. Um amigo meu, que é muito íntimo dele, que trouxe nas duas vezes. Uma vez ele ficou chateado comigo porque não fui para um show dele, sempre ficava muito feliz em encontrar o acervo dele aqui. Amado Batista, Carlos Alexandre, Carlos Freire, Fernando Mendes, Genival Santos e José Augusto também já passaram por aqui”, conta Cardoso orgulhoso.


França e Cardoso conversam sobre trajetória da loja (Foto: Luan Cesar/G1)

França e Cardoso conversam sobre trajetória da loja (Foto: Luan Cesar/G1)


Concorrência desleal e mudança

Foi entre os anos de 1995 e 1996 que Marciano Cardoso começou a enfrentar seus primeiros de muitos problemas que viriam depois. Nesse período, ele relata que começaram a surgir os primeiros CDs piratas em Rio Branco.


Conforme os produtos falsificados foram se tornando populares e acessíveis, as vendas na Discardoso começaram a cair. Desde então, surgiram as dificuldades.


Com a pirataria espalhada e a queda nas vendas, o empresário se viu obrigado a fechar as quatro filiais e ficar somente com a loja matriz no final dos anos 1990 e início dos 2000.


Apesar das vendas nunca mais terem sido como foram até 1996, a Discardoso foi resistindo ao tempo e as mudanças na forma de se consumir música. Mas, a força e praticidade da internet não foram superadas.


“Meu primeiro e único concorrente desonesto foi a pirataria, que bateu muito forte. Agora, por último, veio a internet. Com essa facilidade de baixar música e ver tudo de forma gratuita, a situação piorou ainda mais. Desde a época da pirataria já pensava em fechar a loja, mas resisti. Porém, nos últimos quatro anos eu teimei em manter a loja aberta e os prejuízos começaram a ficar muito grandes”, diz o empresário.


Cardoso afirma que em 2017 teve um prejuízo de quase R$ 100 mil. Sem ter como arcar com sucessivos prejuízos, em setembro do ano passado ele decidiu encerrar as atividades da Discardoso.


“Assim não tem como manter. A gente precisa pagar impostos, aluguel, luz e várias outras coisas. Mantivemos todo esse período aberto porque temos outros rendimentos, mas agora não dá mais”, lamenta.


Ele reflete que mesmo sendo seu sonho, a realidade bateu à porta. “Resolvi parar. Passei muitos anos preparando meu psicológico para isso. Paramos de comprar CD e agora vamos somente liquidar o estoque. Até o fim deste mês vamos estar em promoção. Quem comprar três CD’S vai pagar somente um. Quem vier nesses últimos dias vai encontrar muita coisa”, finaliza Marciano Cardoso.


Saudades

E a partir do fim deste mês quem costumou frequentar a Discardoso por muitos anos, não vai mais encontrar a loja no lugar de sempre. Simone de Freitas, gestora de políticas públicas do Corpo de Bombeiros, foi até a Discardoso para aproveitar a promoção.


Cliente desde a infância, ela declara que a loja vai deixar saudades, principalmente para quem cresceu comprando e ouvindo CDs.


“Muitas vezes encontrei presentes para mim e para outras pessoas aqui. Na época em que namorava meu atual esposo, comprei CDs da Discardoso para presenteá-lo. Para mim foi uma surpresa a loja fechar. A venda do CD e qualidade da música nele é muito melhor, é algo cultural. Essa nova geração não tem esse apego por CD”, conta.


O aposentado Luiz Enedino de França, de 73 anos, diz que sempre foi cliente da loja. Apesar de morar no quilômetro 87 da Estrada de Boca do Acre, ele foi até a Discardoso para comprar CDs de música gospel.


O aposentado conta que toda vez que vem a Rio Branco passa na Discardoso para conferir as novidades. O idoso também ficou surpreso quando soube que a loja vai fechar.


“Sempre compro CD’S aqui. Toda vez que comprava eu guardava aqueles bilhetes, ainda tenho eles lá por casa. Acho que essa crise contribuiu para a loja fechar. É muito triste ver um comércio desse fechar”, lamenta o aposentado.


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