Em mais de 4,5 mil audiências de custódia feitas no Acre em 2017, Justiça manteve prisão em mais de 50% dos casos

Dados foram passados pela Corregedoria do TJ-AC. Ao todo, 2.483 pessoas tiveram prisão mantida.


As audiências de custódia feitas em todo o Acre durante o ano de 2017 resultaram em mais decisões de prisão preventiva que em liberdade provisória, segundo informou a Corregedoria do Tribunal de Justiça do estado (TJ-AC). Das 4.530 audiências de custódia feitas ano passado, 2.483 pessoas foram mantidas presas, que corresponde a 55% dos casos.


Cloves Augusto Ferreira, juiz-auxiliar da Corregedoria, explica ainda que nas outras 1.971 solturas são aplicadas outras medidas, como recolhimento domiciliar, monitoramento eletrônico ou a obrigatoriedade de comparecer em juízo ou ainda uma prestação de serviço.


Na Justiça acreana não há um catálogo para saber que tipos de crime influenciam mais na manutenção da prisão. Porém, o juiz alega que em casos de crimes violentos a pessoa é mantida presa.


“Fiz um levantamento em uma unidade e constatei o seguinte: a maioria das liberdades são concedidas em crimes que não há violência, nem grave ameaça à pessoa. E ainda assim, existem alguns crimes que pela espécie deles, embora não haja violência nem grave ameaça, mas, pela potencialidade desse crime, as pessoas são mantidas em prisão”, explica.


Para exemplificar, ele explica a prisão de pessoa pega com muita quantidade de droga, que é considerado tráfico de droga. Nesses casos, a prisão é mantida. Crime que o juiz opta pela liberdade, são casos de embriaguez ao volante, furtos, estelionatos – quando a pessoa não é reincidente e também crime de violência doméstica, quando não há agressão à pessoa.


“Porque, às vezes, a pessoa é réu primário, não é reincidente, não tem histórico e o perfil deles faz o juiz presumir que talvez não vá delinquir de novo ou que a liberdade dele não resulta em um prejuízo ou em uma ameça concreta à pessoa”, pontua Ferreira.


Dados foram passados pela Corregedoria do TJ-AC. 2.483 pessoas tiveram a prisão mantida (Foto: Tácita Muniz/G1)

Dados foram passados pela Corregedoria do TJ-AC. 2.483 pessoas tiveram a prisão mantida (Foto: Tácita Muniz/G1)


Para tornar esses dados mais claros, a Corregedoria determinou uma releitura desses procedimentos. O objetivo é que o TJ-AC se torne pioneiro em esmiuçar esses dados e prestar esclarecimento à sociedade.


Nas audiências de custódia, que são feitas, em média, até 24 horas depois do flagrante, um juiz avalia a necessidade de manter o preso atrás das grades durante o processo judicial.


A técnica começou a ser aplicada no Brasil em fevereiro de 2015, incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre os seus objetivos, estão o de evitar prisões sem necessidade e tentar diminuir o percentual de presos provisórios em todo o país.


Com isso, um discurso ficou bastante popularizado entre a Segurança e também o cidadão, que repetem o ditado de que: “A polícia prende e a Justiça solta”. Sobre essa alegação, o juiz destaca e diz que é preciso investigar as prisões e que a função da Justiça é analisar se a pessoa precisa ou não ficar presa.


“Quanto a alegação de que a polícia prende e a Justiça solta, essa é a função nossa, realmente, mas a polícia não é absoluta. Ela pode prender qualquer pessoa, inclusive, uma pessoa inocente. Então, a prisão tem que ser analisada pelo juiz”, rebate.


O corregedor auxiliar lembra ainda que manter uma pessoa presa por um crime de baixa potencialidade, por exemplo, agrava o problema de superlotação nos presídios.


“Mantê-lo preso em um local superlotado e que de nada vai servir aquela prisão, a não ser para superlotar o sistema, seria uma incongruência, até porque um preso custa caro para o Estado. Então, a Justiça tem que soltar, tem que analisar e dizer que a prisão está correta, mas a manutenção da prisão não está. Será sempre a Justiça que vai soltar, se a Justiça não soltar, será uma fuga”, esclarece.


Desde que foi implantada, a audiência de custódia gera polêmica e duras críticas. Antes disso, os presos em flagrante eram levados automaticamente para delegacias, para o registro do boletim de ocorrência e, em seguida, para cadeias e centros de detenção provisória, onde aguardavam até meses por uma audiência judicial.


O juiz destaca ainda que não é possível fazer um paralelo ou alegar que o procedimento solta mais os presos. “Antes, a Justiça já soltava também. Já existia a fiança, liberdade provisória e já existia essa reclamação”, diz.


A audiência de custódia também serve para garantir a integridade da pessoa presa. Segundo a Corregedoria, desses 4.530 processos, em 250 casos foi feita uma determinação de investigação por alegações de tortura.


“Isso não quer dizer que ocorreu tortura, mas as pessoas alegaram e é preciso investigar. Isso faz com que se combata também possíveis desvios ou abuso na ação policial”, finaliza.


As 3.127 vagas disponíveis nas unidades prisionais do estado são ocupadas por 5.868 presos (Foto: Ascom/TJ)

As 3.127 vagas disponíveis nas unidades prisionais do estado são ocupadas por 5.868 presos (Foto: Ascom/TJ)


Superlotação dos presídios

Em dezembro, o G1 divulgou o número que mostra os presídios do estado superlotados. Dados do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC) revelaram que os presídios do estado têm um déficit de quase três mil vagas.


As 3.127 vagas disponíveis nas unidades prisionais do estado são ocupadas por 5.868 presos, o que equivale uma insuficiência de 2.471 vagas.


O complexo penitenciário Francisco d’Oliveira Conde (FOC) é o que apresenta a maior superlotação entre os presídios acreanos. As 1.699 vagas do FOC – incluindo as unidades de regime fechado, semiaberto, recolhimento provisório, feminino e saúde mental – são ocupadas por 3.638 presos. O déficit chega a 1.939 vagas, mais da metade do total de déficit no estado.


Como funciona uma audiência

Para que o sistema pudesse ser implantado, os tribunais tiveram que adaptar salas e reforçar o policiamento interno. A sessão começa com o juiz questionando ao preso se ele quer falar sobre o crime do qual é acusado e se possui residência e emprego fixos.


Em seguida, um promotor, que faz a acusação, e um defensor público (que serve como advogado para detidos de baixa renda, que são a maioria) fazem perguntas e ponderações que podem ajudar o juiz a tomar a decisão. O tempo médio de cada sessão é de 20 minutos.


Para determinar a liberdade provisória a alguém, um magistrado considera os antecedentes criminais, o risco que o suspeito representa permanecendo nas ruas e a gravidade do crime, entre outros critérios. Ao autorizar a liberdade, o juiz pode aplicar fiança ou medidas cautelares e também a prisão domiciliar, algo mais raro.


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