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Com sonho de ser violinista, ambulante ensaia enquanto vende bombons em terminal de Rio Branco

‘Como ele é um instrumento delicado, requer muita dedicação’, diz. Nas horas em que está trabalhando de ambulante, mulher aproveita para estudar.

Em meio às plataformas e muito barulho de ônibus, ao fundo é possível ouvir um som diferente. É o violino da ambulante Márcia de Souza, de 38 anos, que vai se destacando ao longo da plataforma B do Terminal Urbano em Rio Branco.


Ela trabalha nas segundas, terças e sextas com uma carga horária de mais ou menos 20 horas. Nos dias em que não está vendendo os doces, ela fica em casa preparando alguns dos produtos que oferece a milhares de passageiros que passam pelas plataformas.


O sonho dela é virar violonista e tocar na igreja que frequenta. Sentada em um banco improvisado com um balde de tinta, partitura apoiada entre os bombons, Márcia se posiciona e começa a estudar e ensaiar a partitura. O som ainda sai tímido, mas, mesmo assim, chama a atenção.


Entre um cliente e outro, ela para os estudos, atende e depois volta a ensaiar. Ela conta que começou a fazer aulas de violino há mais ou menos um ano. Mas, teve que parar por problemas pessoais e falta de tempo.


Ambulante faz aula particular de violino uma vez por semana (Foto: Tácita Muniz/G1)

Ambulante faz aula particular de violino uma vez por semana (Foto: Tácita Muniz/G1)


Porém, retomou logo depois e segue firme no objetivo de se profissionalizar. “O violino é um instrumento que toca na alma, por isso me identifiquei. Como ele é um instrumento delicado, requer muita dedicação, muita mesmo. Como não tenho muito tempo devido ao meu trabalho, entre um cliente e outro fico ensaiando e estudando a partitura”, conta timidamente.


Isso porque nos dias que fica em casa, a rotina de Márcia é ainda mais intensa, porque prepara produtos para vender na banca. Além disso, ela faz aula particular de violino uma vez por semana.


O valor da aula, claro, apertou no orçamento, mas ela não desistiu e até encontrou uma forma de continuar pagando a mensalidade de R$ 180 cobrada pelo professor.


“Consegui mais duas amigas e a gente divide esse valor, mas no começo eu pagava sozinha. O professor também entendeu o meu lado e agora a mensalidade é dividida por nós três”, diz.


Momentos difíceis

A ambulante também passou por alguns momentos difíceis. O filho de 19 anos chegou a ser preso, mas isso não a fez desistir de se profissionalizar no instrumento que escolheu tocar.


“O professor me cobra muito, mas ele sabe que meu tempo é corrido. Com aula uma vez por semana você não aproveita muito, então tem que ensaiar quando dá e assim a gente vai levando”, enfatiza.


Durante a entrevista, os clientes chegam e ela precisa parar para atender e vender seus produtos. Guarda o dinheiro no caixa e volta a sentar para tocar mais uma vez.


Ao voltar, orgulhosa e com o brilho no olhar, ela mostra o instrumento e revela que comprou parcelado em 12 vezes. O segundo, aliás, pois o primeiro desafinava muito, segundo ela. Já que a ideia é ficar especialista, nada melhor do que procurar um instrumento à altura.


“O primeiro violino que comprei foi R$ 500, só que ele desafinava demais e ainda não peguei o som de ouvido para afinar ele. Então, comprei um semiprofissional, que foi R$ 1,9 mil e acabei de pagar agora. Comprei em 12 vezes e tinha meses que o professor pagava pra mim e eu pagava pra ele depois”, relembra animada por ter terminado as parcelas.


Sem apoio da família

Natural de Ariquemes, em Rondônia, a ambulante se mudou para o Acre em 2002. E diz que não sente vontade de tocar nenhum outro instrumento, porque escolheu o violino como o seu preferido.


“Eu tenho vontade de tocar na igreja, então acho muito bonito quem toca com perfeição. Então, me identifiquei e o meu objetivo é seguir em frente e não parar”, garante.


Apoio foi uma coisa que ela assume que não teve por parte da família e nem dos amigos. Márcia conta que sempre ouviu que quem nasceu pra tocar, nascia com o dom.


“Meu marido disse que isso é pra quem tem talento e não pra mim, mas eu digo que vou conseguir. Quando meu filho foi preso, queriam que eu parasse as aulas, mas não parei. Nunca desisti. Sei que tem gente que nasce com o dom e aprende mais fácil, mas eu sei que também posso conseguir. Quando você tem um objetivo, você pode alcançar”, diz.


Como a ambulante teve um filho que acabou se envolvendo com o crime, ao ser questionada sobre a importância da música e da arte, ela é enfática.


“A música é celestial e vai na alma. Isso incentiva as pessoas a combaterem a violência. As pessoas passam por aqui e dizem que gostam, mas ainda nem sei tocar. Estou aprendendo”, diz humildemente.


Ela trabalha no terminal três vezes na semana com uma carga horária de mais ou menos 20 horas (Foto: Tácita Muniz/ G1)

Ela trabalha no terminal três vezes na semana com uma carga horária de mais ou menos 20 horas (Foto: Tácita Muniz/ G1)


Márcia não quis dizer a média mensal que ganha com a venda na banca. Mas, diz que consegue sustentar a casa, pagar as contas e investir no seu sonho de se tornar profissional na arte do violino.


A ambulante fica em meio ao terminal que recebe centenas de passageiros diariamente. Talvez, na correria do dia a dia, ela passe despercebida.


Pode ser que poucos escutem as notas que se esforçam para sair em melodia, mas Márcia é perseverante e falta de tempo para ela é só mais uma desculpa dessas que a gente solta no cotidiano.


“A desculpa só satisfaz quem as dá. A gente nunca vai fazer as coisas e sobra tempo. Não tem desculpa, quando a gente quer, a gente consegue”, destaca.


Uma passageira e cliente da banca, a dona de casa Rose Machado sempre para e observa Márcia compenetrada na partitura. Para ela, a ambulante é um exemplo a ser seguido.


“Enquanto ela está tocando violino as pessoas estão admirando a arte, que deveria ter muito incentivo aqui no nosso estado. Se alguém entra na arte, está saindo das drogas, da violência e das facções. A gente tem que investir na educação, porque educação é tudo. Quando abre uma escola, fecha um presídio”, finaliza.


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