Uniforme de time local rubro-negro e chegada da televisão em 1978 podem ter difundido amor pelo Rubro-Negro carioca no interior do Acre
A quase 5 mil km da sede do Clube de Regatas do Flamengo, milhares de torcedores nutrem um amor incondicional pelo time carioca no interior do Acre. O Mapa de Curtidas, feito pelo GloboEsporte.com em parceria com o Facebook, detectou que a microrregião é onde proporcionalmente o clube tem mais curtidas é Cruzeiro do Sul.
A motivação para o grande número de torcedores na cidade não tem registros históricos, mas permanece viva na memória dos moradores. Uniforme de time local rubro-negro e chegada da TV podem ser algumas das origens da paixão.
O Juruá Esporte Clube, fundado em 1941, pode ter sido o pai dos flamenguistas no município, a 468 km da capital. José Orcy Nogueira Jucá, 69 anos, é uma das fontes históricas do futebol da região. Colecionador de fotos antigas, reuniu álbum sobre o esporte local dos anos 50 aos 90 e acredita que as cores foram fundamentais na escolha e expansão da bandeira do clube de regatas.
O ex-jogador, declaradamente apaixonado pelo Flamengo, conta que o uniforme não foi a única demonstração de amor ao time carioca. Ele explica que apesar de na época não existirem máquinas fotográficas a cores na cidade, e suas fotos até final dos anos 70 serem em preto e branco, é incontestável que a maioria do elenco e da torcida do querido Juruá eram fãs do rubro-negro.
– Nosso time tinha o uniforme copiado do Flamengo, da década de 50. Os shorts eram feitos por costureiras daqui, traziam de fora somente as camisas e os meiões para bordar. Eu mesmo fui campeão aqui com a camisa rubro-negra por várias vezes. Hoje o futebol local está em baixa, mas quando o Juruá entra em campo, participa de algum torneio, usa ainda esse mesmo uniforme que o Flamengo disputou o mundial de clubes – afirma o ex-ponta esquerda.
Segundo Aluízio Pereira, de 79 anos, nas décadas de 60 a 70 o futebol local era muito forte e dominava. Equipes como Náuas, São Cristovão, Palmeiras, Ideal, Cruzeiro e Juruá arrastavam admiradores para os campos da cidade, que era repleta de torcidas organizadas, entre elas a Charanga do Cristovão, inspirada na Charanga Rubro-Negra, primeira do Brasil, com direito a banda musical para animar a torcida durante as partidas.
As narrações dos jogos e histórias do futebol do cenário nacional eram ouvidas através das ondas do rádio, mas o espetáculo da bola já encantava a remota região da Amazônia. Após a chegada da televisão e as transmissões dos campeonatos cariocas, por volta de 1978, os cruzeirenses passaram a torcer por equipes nacionais e a paixão pelo rubro-negro foi confirmada.
– Quando eu era jovem não tinha torcida nacional, era Palmeiras, São Cristovão, Juruá, equipes locais. É passado de pai para filho, toda família é flamenguista. Eu era da turma do óleo, da Charanga do São Cristovão. A chegada da televisão e a conquista do título mundial impulsionaram a torcida na região. Não tenho muita lembrança do ano que começou, mas foi nas décadas de 70 para 80 que a torcida do Flamengo começou a crescer – relembra.
A saga no Japão na década de 80, maior conquista da história do clube, foi o ápice da massificação no município. Os jogadores da época são admirados até hoje. Em 2012, a Arena do Juruá recebeu o time master do Flamengo. Para muitos cruzeirenses a única oportunidade de acompanhar uma partida do time do coração. O jogo foi contra a seleção de Cruzeiro do Sul, mas as cores que lotaram o estádio foram o vermelho e o preto.
Para o ex-jogador Marcelo Ribeiro, o Bujica, o duelo foi nostálgico. Ex-centroavante do Mengão, famoso após dois gols em cima do Vasco pelo Campeonato Brasileiro de 1989, fez parte do elenco que conquistou o primeiro título do clube na Copa do Brasil. Ele voltou a vestir a camisa do time em Cruzeiro e foi elogiado por Claudio Adão dentro de campo. Conhecido no Acre, onde reside agora e é professor de educação física, ele enaltece a oportunidade de jogar com os ídolos da sua época.
– É sempre bom jogar com atletas que fizeram história no Flamengo. A recepção em Cruzeiro foi muito boa, um grande número de torcedores foram ao estádio e se concentravam nas imediações do hotel. A torcida rubro-negra em Cruzeiro é maravilhosa – conta.
Amor para vida toda
A tecnologia só confirmou o amor. Mesmo com a chegada da internet e a interação no Facebook, os torcedores cruzeirenses mantém a tradição e se reúnem para assistir e comentar os jogos. O aposentado Antônio Negreiros, 74 anos, é um dos mais experientes representantes da organizada Fla-Cruzeiro.
Colecionador de camisas, bandeiras e tudo o que for relacionado ao clube do coração, ele lembra com saudades dos períodos áureos e reafirma: não há time mais amado em Cruzeiro do Sul e este é amor que o tempo não apaga e placar nenhum destrói. Não há derrota que o desanime.
– Toda vida gostei, desde pequeno e quando comecei a me entender por gente, assistia a todos os jogos. A admiração foi crescendo com com os amigos, com o passar do tempo, e no período do Zico, Adílio, Nunes, Andrade, aquele pessoal todo, esse amor só aumentou. Quando estiveram aqui, tive o prazer de acompanhar. Não estão mais no futebol, mas são meus ídolos. Além da família, meu amor maior é meu time, segue 100% ao longo dos anos – destaca.
Torcida solidária
O amor pelo Rubro-Negro em Cruzeiro do Sul se expandiu e se transformou em solidariedade. O Consulado Flacruzeiro-Acre, única torcida oficial na cidade, surgiu através de um grupo de whatsapp e alia a paixão pelo futebol e pelo time do coração para ajudar pessoas.
A cada partida, o grupo arrecada alimentos e donativos para ajudar famílias mais carentes do município e quando algum sócio passa por dificuldades, outra vez futebol e solidariedade entram em campo para ajudar. As ações sociais realizadas vão de campanhas de doação de sangue a arrecadação de alimentos.
Em 2016, o grupo uniu forças para ajudar mais de 500 famílias desabrigadas pelas águas da maior cheia do do rio Juruá dos últimos 22 anos. Além de arrecadar água potável, calçados, roupas e alimentos, os integrantes distribuíram sopa nos abrigos. Segundo o presidente Gérisson Rodrigues, essa união beneficente cresce cada vez mais dentro da torcida.
– Existem muitas pessoas de baixa renda na cidade e pensamos em uma forma de contribuir. A ideia é ajudar famílias carentes e não instituições. A cada jogo solicitamos um 1 kg de alimento não perecível e montamos kits para doar. Realizamos também a campanha de doação, a Sangue Rubro. Na época da tragédia da Chapecoense, aquilo tudo tocou muito nossos corações e resolvemos homenageá-los com camisas, que acabaram se espalhando por vários lugares do Brasil. O Flamengo é uma grande família no nosso país, estamos em toda parte. Esporte e solidariedade devem caminhar juntos – conclui.