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Após 29 anos da morte de Chico Mendes, testemunha-chave do crime lança livro e diz ter tido depressão

Genésio Ferreira da Silva foi a testemunha fundamental para a condenação de Darly Alves e Darcy Pereira em 1990.


Genésio Ferreira da Silva, hoje com 42 anos, foi fundamental para que o fazendeiro Darly Alves, mandante do crime, e o filho Darcy Alves Ferreira, responsável pelo disparo de escopeta, fossem condenados a 19 anos de prisão pela morte de Chico Mendes.


Dos dias na Fazenda Paraná, em Xapuri, interior do Acre, até a publicação do livro “Pássaro sem rumo: Uma Amazônia chamada Genésio”, lançado na terça-feira (19), Silva diz que enfrentou depressão, alcoolismo e mudanças.


Ele foi parar na fazenda da família Alves aos sete anos de idade para ajudar a irmã, que tinha casado com um dos filhos de Alves, a cuidar do sobrinho, neto do mandante do assassinato de Mendes.


“Ela precisava de alguém que cuidasse do menino enquanto fazia as coisas para os trabalhadores da fazenda. Enquanto ela fazia isso, eu cuidava do meu sobrinho para era trabalhar tranquila”, relembra.


Não tardou para que o garoto passasse a morar na casa de Alves, sede da propriedade, e começasse a trabalhar diretamente para ele. Os primeiros mandados eram levar leite para os filhos que o patrão tinha com as quatro esposas.


Depois vieram as atividades rotineiras do campo. Ele tinha se tornado um funcionário. “Eu trabalhava direto para o Darly e tinha meu próprio salário. Já era peão dele”, conta.


Durante a convivência com o fazendeiro, seus filhos e os outros peões, Silva jamais imaginava que entraria em uma polêmica que ia mudar a própria vida e a da família Alves.


Obra conta a trajetória de Silva, que se encontra com a de Chico Mendes (Foto: Luan Cesar/G1)

Obra conta a trajetória de Silva, que se encontra com a de Chico Mendes (Foto: Luan Cesar/G1)


Foi em outubro de 1988 que ele percebeu as primeiras movimentações que resultariam na morte do ambientalista Chico Mendes. Tudo acontecia na sede da Fazenda Paraná.


“Surgiu movimentos estranhos na fazenda, umas reuniões e encontros secretos do Darly com outros fazendeiros. A partir daí, começou a surgir o nome Chico Mendes. As reuniões eram feitas em uma área que ficava perto do meu quarto. As reuniões começaram em outubro de 1988 e pararam em novembro. Mas, de vez em quando ainda tinha um movimento estranho”, relembra o ex-peão.


Foi na noite de 21 de dezembro de 1988 que Silva, com apenas 13 anos, presenciou indiretamente o acerto dos últimos detalhes do assassinato do seringueiro, que aconteceu no dia seguinte. “O Darly estava com o pistoleiro e lembro que ele falou: ‘e aí, tá tudo pronto?’. Disseram que estava tudo certo. Depois ele perguntou: ‘o cartucho tá bem carregado?’ e o pistoleiro disse que estava tudo pronto”.


Testemunha

Silva afirma que depois da última reunião, Darly Alves prometeu ainda matar uma novilha e fazer um churrasco se o plano de matar Chico Mendes desse certo. Segundo o ex-peão, o fazendeiro saiu de casa e foi até Xapuri para saber se o plano tinha sido executado.


“Ele mesmo avisou que o serviço estava feito. Mas, não deu tempo de comemorar, porque logo depois do disparo o mundo todo já sabia”, relembra.


Foi de uma maneira longa e improvável que o ex-funcionário de Alves se tornou testemunha. Ele ainda estava na Fazenda Paraná quando Mendes foi morto.


No dia 24 de dezembro de 1988 ele saiu do local para passar o Natal em Xapuri. “Estava por lá vagando pelas ruas, quando a polícia chegou e me cercou. Entrei no carro assustado. Sabiam que tinha matado o Chico, mas não sabia quem tava envolvido”, diz.


Por ordem do juiz da cidade à época, o então adolescente ficou detido na delegacia. A prisão, segundo ele, foi motivada por ele morar na propriedade de Alves.


A detenção durou dois meses e os agentes policiais interrogavam ele todos os dias. Silva diz que o silêncio permaneceu durante algum tempo, uma ou outra informação era dada por ele. Dois fatores foram essenciais para ele contar tudo.


“Eu gostava muito da minha liberdade, queria ser solto. Já tava entrando em depressão e um dia minha mãe chegou lá e mandou eu contar, mas eu tinha medo. Pouco depois, fui contando dia a dia até que, sem perceber, minhas informações ajudaram a chegar ao ponto de como foi o planejamento da morte do Chico. Quando abri o jogo, fiquei preso por medida de segurança, não podia sair”, lembra.


O ex-peão diz que os relatos foram dados de forma natural e o testemunho na Justiça, em 1990, também foi espontâneo. “Quando dei por mim, já estava envolvido. Era minha palavra, eu não podia voltar atrás. Então, contei tudo ao juiz. Na época do julgamento eu tinha 15 anos. Estava no Rio de Janeiro e voltei para prestar o depoimento na Justiça. A sensação que tive foi de estar mais liberto e com a consciência tranquila. Fiz minha parte”, avalia.


Darly Alves ao lado do filho Darci durante julgamento pela morte de Chico Mendes, em 1990 (Foto: Arquivo/Rede Amazônica Acre)

Darly Alves ao lado do filho Darci durante julgamento pela morte de Chico Mendes, em 1990 (Foto: Arquivo/Rede Amazônica Acre)


‘Ódio, raiva e impulso’

Silva afirma que Alves “agiu pelo ódio, pela raiva, pelo impulso”. Ele diz que o fazendeiro achava que Chico Mendes era uma pessoa qualquer. “O Chico Mendes defendia o povo da floresta e o Darly queria derrubar tudo ali. Ele queria fazer essas coisas de fazenda e aquele povo ia ser escravo dele, talvez. Para mim, a morte do Chico foi injusta. Ninguém merece morrer ainda mais da maneira que foi”, enfatiza.


A testemunha-chave do julgamento avalia que o Acre se desenvolveu após a morte de Mendes nas áreas ambiental e de extrativismo. Ele garante ainda que não mantém contato com nenhum membro da família Alves.


“Jamais. É impossível ter contato com esse povo. É um pessoal que me odeia. Ele é carrasco. Ele tem dinheiro e hoje as pessoas estão matando por nada. É muito possível ainda mandar me matar”, pondera.


‘Injusta’

Em entrevista ao G1, em 2013, Darly Alves afirmou que a história pelo qual ficou conhecida é injusta. “As pessoas me chamam de assassino, mandante. Repórter não sabe de coisa nenhuma, só ouviu falar, e para saber de algum negócio, você tem que ler o processo ou ser testemunha. Chamam minha família de perigosa, acusando as pessoas sem saber”, criticou a época.


Na ocasião, Alves disse que durante o seu julgamento, em 1990, quem falasse contra ele ganhava prêmio.


“Quando me entreguei à prisão e começaram a me difamar, eu falei: ‘vou me entregar, porque não devo nada e vou limpar meu nome da mentira’. Mas quando cheguei [ao julgamento], a mentira aumentou. Quem falasse contra mim ganhava prêmio, então podiam mentir à vontade. Quando chegava alguém para me defender, o juiz batia o martelo e mandava me retirar da sala. Só queriam a minha condenação”, acusou na época.


Livro

“Pássaro sem rumo: Uma Amazônia chamada Genésio”, lançado na terça-feira (19) em Rio Branco, conta a vida, as diversas viagens e locais onde morou, além dos problemas de Silva com o álcool.


As primeiras linhas e parágrafos vieram como anotações das memórias que ele tinha. A prática se tornou diária com o agravo da depressão, causada principalmente pelo envolvimento com o álcool.


“Quando comecei a escrever o livro eu estava em uma clínica de recuperação por causa do alcoolismo. Precisava desabafar e não tinha com quem. Para não ficar triste comecei a escrever na clínica. Não queria saber de nada, estava revoltado. Me isolei, fiquei uns tempos na Bolívia. Para mim, foi uma terapia escrever esse livro. Colocava meus sentimentos quando escrevia. Tive ajuda de alguns amigos. Estou satisfeito em levar essa história para a sociedade”, comemora Silva.


De acordo com ele, o livro foi escrito ao longo de 14 anos, todo a punho. Os manuscritos chegaram ao conhecimento do jornalista Elson Martins, que conheceu Silva em Xapuri fazendo a cobertura do caso Chico Mendes.


Foi o jornalista que ajudou a organizar o livro junto com o jornalista Zuenir Ventura, que abrigou Genésio no Rio de Janeiro quando ele era adolescente.


“O Elson Martins me procurou para falar do livro, que já estava com ele. Depois, me procuraram para assinar um contrato. Pensei em tudo, concordei e deu no que deu. Já lancei o livro no Rio de Janeiro”, explica Silva.


A obra foi editada pelo Instituto Vladimir Herzog e já disponível em Rio Branco, na Secretaria de Comunicação (Secom) e livraria Paim, pelo valor de R$ 50.


Chico Mendes em momento de descontração com a família (Foto: Arquivo Pessoal)

Chico Mendes em momento de descontração com a família (Foto: Arquivo Pessoal)


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