Mariana tem doença autoimune que afeta neurônios. ‘Meu diário autoimune’ retrata a trajetória da jovem sobre descoberta e preconceito de quem não entende os sintomas: ‘acham que é frescura’
A farmacêutica Mariana Nobre Romanholo faz parte de um grupo de pessoas que dia a dia se supera. Com uma doença autoimune, descoberta em 2014, que destrói a ‘bainha mielina dos neurônios’, a jovem ainda não recebeu um diagnóstico concreto. E das experiências vividas desde os primeiros sintomas até o início do tratamento, ela criou o blog ‘Meu diário autoimune’.
Além de compartilhar a rotina de viagens para exames periódicos, tratamentos com remédios variados e a gradual mudança de vida, a jovem vê no site pessoal uma forma de apoiar pessoas que vivem situações semelhantes. Outro fator é a didática utilizada para explicar aos leitores como doenças do tipo são graves e afetam, de forma intensa, além do organismo, a vida de quem convive com elas.
No primeiro post, Mariana situa o internauta sobre a doença. Os “neurônios possuem uma ‘capa’ protetora; um isolante térmico que os protege durante o processo do impulso nervoso. No meu caso, os meus anticorpos atacam a bainha de mielina, prejudicando o impulso e me fazendo entrar em ‘curto’ circuito”, esclarece a jovem em um trecho da publicação.
Mas dos primeiros sintomas até saber quase exatamente o que a afetava – um diagnóstico concreto ainda não foi dado, a farmacêutica enfrentou uma longa e difícil situação. No início de 2013 vieram as primeiras tonturas, duraram uma semana. Depois, no fim do mesmo ano, as tonturas voltaram acompanhadas de taxia, uma dificuldade de controlar alguns movimentos do corpo.
“Meu lado esquerdo [do corpo] ficou todo afetado. Era algo que ia e voltava várias vezes ao dia, como se fosse uma espécie de choque no meu corpo. Um dia isso ficou muito forte e fui ao hospital. Fui atendida por uma neurologista, que pediu uma ressonância e tomografia. Depois de avaliar, ela disse que estava tudo normal. Fiz mais exames e ela disse que eu tinha epilepsia”, relembra Mariana.
Com o diagnóstico, ela tratou epilepsia durante um ano. Apesar de tomar os remédios por esse período, a jovem voltou a sentir os sintomas. Ela retornou a neurologista, que aumentou a dosagem dos remédios. Com receio, procurou outro médico que também atestou o primeiro diagnóstico e recomendou um segundo tratamento. “Passei a tomar dois remédios”, conta.
“Os sintomas voltaram mais fortes e no terceiro surto tive tontura, a taxia e visão dupla. O segundo médico viu uma nova ressonância e disse que eu tinha uma lesão no cérebro que precisava ser investigada. Ele falou que era normal, mas achava que não. Então fui a São Paulo para me consultar com uma especialista. Lá, ela me disse eu não tinha a doença”, relata Mariana.
Após o atendimento da especialista, ela foi encaminhada para uma médica que atua com doenças autoimunes e outras do tipo. Mariana descobriu que a alteração no cérebro é uma lesão desmielinizante. Doenças como esclerose múltipla e síndrome de devic foram as suspeitas iniciais. Mas de 2014 até agora, ela ainda não sabe qual a doença responsável pela destruição da bainha mielina dos neurônios.
O blog
Além de enfrentar viagens regulares do Acre para São Paulo, gastos elevados com vários tipos de exames, os efeitos da doença e os custos com remédios para o tratamento, Mariana teve que lidar com outro problema. A incompreensão das pessoas sobre as vindas e idas das crises e reações causadas pela doença a fez criar seu blog para mostrar a dura rotina que enfrenta.
‘Meu diário autoimune’ surgiu no dia 27 de agosto deste ano com um post explicando toda a trajetória que ela fez desde 2014. O diário virtual foi criado depois do retorno dos sintomas, dois anos após a jovem começar um tratamento com corticoides. A farmacêutica afirma que após duas horas da primeira publicação, mil acessos foram registrados. Até agora, ela diz que já foram seis mil visitas.
“Quando comecei a me sentir mal, eu percebi que as pessoas não entendiam as minhas reações. Como são sintomas que elas não conseguem ver, elas começam a questionar, acham que é frescura, porque não têm muito entendimento sobre esse tipo de doença. A iniciativa do blog veio, inicialmente, por desabafo. Eu também queria ajudar outras pessoas que vivem com isso”, afirma Mariana.
A jovem menciona que procurou saber mais sobre a doença autoimune e encontrar exemplos de pessoas que lidam bem com isso quando foi diagnosticada. Para ela, encontrar história similares que têm exemplos de superação é uma forma de inspirar outras pessoas que vivem o mesmo tipo de situação. A profissão fez Mariana ir além dos relatos pessoais, informações sobre o assunto são incrementadas.
“Comecei a estudar bastante coisa sobre tratamento alternativo, dieta e medicação. Então comecei a pensar em fazer disso um projeto para ajudar outras pessoas que também estejam passando por isso. E [a ajuda] não é só com a parte da descrição do meu dia a dia. Nesta semana fiz uma publicação sobre o uso de corticoides. Minha ideia e repassar o que eu aprendi”, complementa a farmacêutica.
Ela fala que não estabeleceu uma frequência de regularidade para publicar seus textos. Os textos, segundo Mariana, vão ser publicados quando houver necessidade e vontade de escrever sobre o assunto. Depois das publicações que fez, ela afirma que houve uma repercussão positiva sobre o site pessoal. Uma página no Facebook também foi criada para aumentar a visibilidade do blog.
“Depois do blog, muitas pessoas passaram a me entender. Também recebi apoio de muita gente e bastante delas tiveram curiosidade de pesquisar sobre o assunto. Já recebi mensagens de pessoas de São Paulo e Minas gerais falando que vivem a mesma coisa, estavam tristes e depois que leram o meu blog melhoraram e não se sentiam mais sozinhas”, conta Mariana.
A farmacêutica reflete que o blog serve como uma terapia para ela por ter a possibilidade de descrever o que sente. Ela enfatiza que mesmo com os dias ruins tenta levar a situação para um lado positivo. “O blog foi bom porque além das pessoas começarem a entender, somado a outros fatores, conheci várias pessoas que me entendem por viverem o mesmo e fiz vários amigos”, diz.
Ela avalia que apesar de toda dificuldade, o carinho recebido tem ajudado a enfrentar a doença.
“Estava numa fase bem complicada quando comecei o blog. Muita gente entrou em contato e quis ajudar. Receber carinho e apoio nessa hora é muito legal. Mas essa doença me ensinou muita coisa, e uma delas é que eu precisava ajudar outras pessoas. Mesmo com as piores dificuldades temos que melhorar como ser humano. Espero que faça isso com o blog e que ele ajude as pessoas”, finaliza Mariana.