Suicídio: o desabafo de uma jovem acreana que já tentou tirar a própria vida

Entre os males que assolam a sociedade atual, ganhou destaque nas últimas semanas o suicídio. Não tão jovem assim, esse mal, que há séculos atinge famílias em várias partes do mundo, fez cerca de dez vítimas no Acre em menos de 60 dias. O número, se comparado a anos passados, é bastante alto, e não por acaso, ganhou destaque na mídia.


Para se ter ideia, o Brasil registra uma morte suicida a cada 45 minutos. No Mundo, cerca de 800 mil pessoas se suicidam por ano- o que corresponde a uma morte a cada 40 segundos. E o mais curioso é que 90% dos casos poderiam ter sido evitados. Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS).


Entre as estatísticas, encontramos uma jovem acreana que passou por essa experiência. Não morreu porque foi socorrida a tempo, mas entrou para o ranking das tentativas que, como dito acima, tornam-se efetivas a cada 45 minutos. Bia, como vamos chamá-la, resolveu abrir o coração e contar o que sentiu naquela quinta-feira que ficou marcada na história dela.


Bia é a primeira entrevistada da série especial “Suicídio: Um problema presente”alusiva ao “Setembro Amarelo”, mês de combate e prevenção ao suicídio. Até o último domingo do mês, sempre aos domingos, você vai acompanhar um texto diferente, tratando desde os sintomas desencadeados pela depressão, até a visão de especialistas no assunto. Depoimentos emocionantes e informativos como o de hoje.



“Quando aconteceu, eu só queria me livrar daquela sensação de que eu estava frustrada, e que eu não conseguiria mais fazer o que eu sempre quis. Eu tinha uma sensação de dependência dos meus pais. Por conta da faculdade, eu tive que largar o emprego. Eu já estava divorciada e tinha o meu filho. Meus pais que me mantiveram financeiramente. Meu mundo caiu! Foi assim que a depressão chegou até mim!”.


O desabafo que você acabou de ler é de uma estudante de 30 anos que tentou suicídio há três meses, dentro de casa, em Rio Branco. Após várias tentativas da reportagem, Bia, que é de poucas palavras, resolveu aceitar o convite do ac24horas e colocar para fora o que ela pensa que vai, de alguma forma, ajudar outras pessoas a deixar o pensamento suicida de lado e buscar ajuda.


Naquela quinta-feira, Bia estava em casa. Era como um dia normal que de repente foi implodido por uma série de sentimentos que abalaram o físico e o mental da jovem. Ela entra no quarto desesperada, grita, e tenta, de alguma forma, fugir daquele que era, de certo – para ela-, a hora final. Após planejar a morte e as justificativas disso, ela resolve que chegou a hora de morrer.


Sem dar detalhes sobre a tentativa, a jovem conta o que passava na cabeça. “Eu queria me livrar de tudo aquilo. Eu sabia que era o meu fim. Tinha chegado a hora. Já estava tudo planejado. Eu vinha há vários dias armando, preparando, imaginando como seria depois e o que eu precisava fazer. Eu estava errada. Não era o que eu queria. (sic). Eu estava fora de si. Não tinha noção de nada!”, conta.


Bia conta que a família nem sempre percebia os problemas pelos quais ela passava. Era o reflexo da tentativa maçante de demonstrar que estava tudo bem com a vida dela e que, claro, ninguém precisava se preocupar. Mas isso, conta Bia, apenas piorou o quadro depressivo em que ela se encontrava. Não demorou muito, precisou de ajuda, e foi nos pais que encontrou refúgio para aquele momento banhado por incertezas.


“Eu passei a ter uma vida muito difícil. Comecei a me fechar e só chorava muito, já não queria mais sair. Eu comecei a fazer terapia, mas eu fazia quando queria. Eu faltava também às sessões, porque é difícil você aceitar isso. Até que chegou um ponto em que eu já não aguentava mais, e fiz o que fiz. Tive uma crise de pânico, e aquilo me levou a esse episódio triste da minha vida”, comenta Bia.


Foi nesse momento em que Bia já não conseguiu mais esconder os sentimentos que tinha dentro de si. Era chegada a hora de, infelizmente, buscar uma ajuda mais firme e mudar completamente a forma com a qual lidava com a vida. Bia resolveu, mesmo tendo caído, pedir ajuda, levantar e seguir a caminhada da vida como que, logo ali, mais à frente, estivesse vendo “a vitória que eu precisava segurar nas mãos”.


“Depois de tudo isso, eu acabei internada. Dias depois, quando peguei alta, voltei para casa e, como eu não estava muito bem, acabei apresentando novos sinais de que o suicídio estava se achegando em mim. Para a minha família eu aparentava estar bem, mas era uma espécie e depressão mascarada. Eu só comentava que tinha pensamentos suicidas, mas que eu nunca faria nada”, conta Bia ao dizer que “é nessas horas que a pessoa precisa pedir ajuda”.


ISOLAMENTO: SINAL DE PERIGO

Depressão não é o mesmo que tristeza, mas a tristeza contínua pode levar à depressão. E um dos sinais desse mal que assola a sociedade fortemente nos dias atuais é o isolamento, o que para a entrevistada de hoje, a Bia, foi um dos sintomas mais fortes de tudo aquilo que ela sentia dentro do peito. Mas Bia não ficou nessa: ela olhou para frente e viu a luz que brilhava ao fim do túnel.


“Quanto mais eu me isolava, mais eu tinha esse tipo de pensamento, mas de repente, eu simplesmente percebi que aquilo não era a solução para os meus problemas, e entendia que não era aquilo que eu precisava fazer. Eram pensamentos suicidas que tirariam, se colocados em prática, além da minha vida, os meus sonhos e as oportunidades que eu ainda tinha a conquistar”, explica.


Bia, que além de estudante tem uma filha, diz que é preciso, sim – e rápido-, buscar ajuda tão logo percebidos os sintomas da depressão. “Não é que a depressão sozinha mata, mas ela pode nos levar a tentar contra a nossa própria vida, o nosso maior bem muitas vezes. Eu tenho minha filha, e como ela ficaria? Tenho minha família, e como ela ficaria? E os meus amigos?. Todos são importantes nessa jornada”, questiona.


O uso das redes sociais e da internet, na visão de Bia, também é algo que ajuda na hora do isolamento. A estudante acredita que as pessoas estão ficando mais tempo em silêncio, e diz isso baseado em sua forma de viver o próprio isolamento. Ela diz que muitas respostas sobre a vida comum estão sendo buscadas na internet e que, nem sempre, de lá virá a resposta mais eficaz.


“Aos jovens que estão planejando isso, a essas pessoas independente de idade, eu peço que peçam ajuda. Os pais também precisam olhar mais, observar mais, e ficar atentos. Além das mensagens sobre morte, essas pessoas deixam mensagens que sugerem esse tipo de atitude. É preciso ajuda para que elas não cometam a tentativa ou até morram por um suicídio. Tem como ajudar. É preciso dialogar”, alerta Bia.


PASSADO A SER ESQUECIDO

Depois do episódio em que por pouco não morreu, Bia diz que quer seguir em frente a vida e esquecer tudo que passou naqueles dias em que aumentou as estatísticas das instituições que combate esse mal, que é o suicídio – e as tentativas. A jovem relata que um dos medos que tem é o de voltar ao estado em que estava, em cima de uma cama, sem expectativa. Ela reitera a necessidade de pedir ajuda e de ser ouvido.


“Aquilo é uma coisa que eu quero esquecer. Não quero ficar revirando isso, como se fosse algo que ainda fizesse parte da minha vida. Isso foi o passado, e agora quero ajudar outras pessoas que, assim como eu, tem esse tipo de pensamento, a pedir que algum amigo, irmão, ou familiar, ou os pais os ajudem. Viver é muito melhor que morrer, e sabe por que? É simples: vivendo a gente consegue fazer diferente”, diz.


Hoje, o suicídio mata mais jovens que o HIV, e pessoas entre 15 e 29 anos vêm recorrendo ao ato extremo com maior frequência nos últimos dez anos. O tema ainda carece de debate pela sociedade, que muitas vezes prefere o silêncio ao invés da discussão sobre como prevenir mortes desse tipo. Exemplo de que falta dialogar e aprender mais sobre a construção de armas contra esse mal.


Especialistas são unânimes que falar sobre o tema e abrir o debate na sociedade é o primeiro e decisivo passo. A prevenção começa em casa com o diálogo e a identificação de possíveis comportamentos de jovens e adultos que estão em sofrimento. Isso foi destaque em uma reportagem especial da Rádio Senado, em maio desse ano.


E por ser importante debater o assunto, no próximo domingo, dia 24, a série especial “Suicídio: Um problema presente”, alusiva ao “Setembro Amarelo”, mês de combate e prevenção ao suicídio, vai detalhar os dados sobre o assunto e apresentar a opinião de especialistas. Tem também o depoimento de outra vítima que conseguiu escapar da morte e, hoje, atua para prevenir que novos casos sejam registrados.


 


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