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Índios acusam dono de granja de cercar terra onde funciona Parque Ecológico no interior do Acre

Terras da União em Plácido de Castro teriam sido invadidas ilegalmente. Local abriga centro de cultura e pesquisas medicinais voltado a indígenas que não vivem em aldeias.

Um conflito agrário tem gerado tensão em Plácido de Castro, interior do Acre. O cacique Mapu Huni Kuin, líder do Centro de Cultura e Pesquisas Medicinais Huwã Karu Yuxibu, afirma que José Bezerra Neto, dono de uma granja, apropriou-se de 70% de uma área com 34 hectares de terra pertencentes a União.


O fato teria acontecido no fim de agosto, quando uma cerca foi colocada pelo empresário e limitou o acesso dos indígenas que vivem na área, onde existe uma organização cultural. Segundo Mapu, sete famílias moram no lugar, cerca de 33 pessoas, entre crianças, jovens e adultos que não convivem mais nas aldeias.


Ao G1, José Bezerra Neto afirmou que a questão está sub judice – período em que um processo segue sob apreciação judicial até uma decisão definitiva. O empresário garantiu que o perímetro cercado está registrado em seu nome.


“A terra tem escritura e registro no meu nome em cartório. Mas, ela está há nove anos interditada. Quem diz que a propriedade me pertence é o cartório”, enfatiza.


O líder indígena conta que no dia 21 de agosto foi intimado a comparecer na delegacia da cidade. Ao chegar lá, se deparou com o proprietário da granja e foi informado que uma cerca seria instalada no perímetro das terras públicas.


“Não meu opus porque pensei que isso aconteceria em um terreno privado. Mas ele invadiu essa área [da União]”, diz.


Segundo o cacique, a terra pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Porém, em 2015, o local teria sido entregue a Mapu e um grupo de indígenas pela Prefeitura de Plácido de Castro. A finalidade seria que eles cuidassem do local, transformado em parque ecológico em 1991 pelo município, que estava há muito tempo abandonado.


Ouvidor agrário da Superintendência do Incra no Acre, Antônio Braña, esclarece que o parque fica em uma grande extensão do projeto de assentamento do Pedro Peixoto, parte da Gleba U. O assento possui três lotes – 541, 542 e 543.


“Esse é o segundo maior assentamento do Brasil e é de conhecimento de todos que a matrícula dos três lotes do espaço é do projeto”, esclarece.


Processo e propriedade

Braña lembra que em 2009, a Prefeitura de Plácido de Castro entrou com um processo junto ao Incra solicitando o uso de dois lotes da área de terra reivindicada. Ele afirma que o documento de posse do empresário não era conhecido pelo órgão, mas é legal.


“Segundo o cartório da cidade, a princípio, essa segunda matrícula [de José Bezerra] é legitima. O decreto de criação do município, feito pela Presidência da República, pode ter dado base legal para a prefeitura outorgar títulos naquela região [possivelmente Neto conseguiu os documentos de parte da área naquele momento]. Porém, essa matrícula não tem descrição exata e nem coordenadas geográficas [para delimitação]”, pondera Braña.


O ouvidor agrário ressalta que a execução de um estudo pode atestar a veracidade do documento de José Bezerra.


“Pode ser que a matrícula do empresário esteja sobreposta, em parte ou no todo, a do Peixoto. Entretanto, a atual gestão da cidade quer dar continuidade ao processo de inserção no parque. Temos duas questões nessa situação: a de domínio e de interesse possessório”.


Antônio Braña reconheceu que a cerca instalada por José Bezerra passa pelos três lotes do projeto de assentamento, mas as ele ressalva que a disputa entre as partes, o ingresso da ação foi feito pela Defensoria Pública da União (DPU), acontece para garantir o direito de uso do parque ecológico.


“Eles podem lutar pela posse do lugar, mas o domínio é do Incra. O que está em cheque é a dominialidade da área que abrange apenas o parque ecológico, já que existe uma segunda matrícula”.


Restrição e ameaça

Mapu Huni Kuin relata que após a instalação da cerca, José Bezerra expulsou duas famílias, já que estavam dentro do limite imposto, e o acesso da comunidade foi restringido.


“Além de desabrigar as famílias que moravam em casas que nós tínhamos feito, ele privatizou a água [existe um igarapé no lugar], cortou as plantações de macaxeira, cana, banana e árvores, algumas de lei”, reclama.


O cacique lembra que a concessão do município não foi documentada. Segundo ele, um relatório descrevendo a finalidade e os projetos do Centro de Cultura e Pesquisas Medicinais Huwã Karu Yuxibu para a área foi elaborado.


O documento foi a base para a criação de um projeto de lei que chegou a ser formulado em 2016 para legalizar o processo. Entretanto, a pauta não vigorou.


Mapu atesta que o proprietário da granja fez ameaças de morte contra ele e os outros indígenas do lugar.


“Quando os parentes [demais membros da comunidade indígena] vão ao igarapé tomar banho, de vez em quando ele aparece com dois capangas e pergunta por mim. No dia que ele estava fazendo a cerca, fomos à delegacia prestar queixa. Na frente de um delegado e um promotor ele derrubou uma capa de cartucho nos pés de um policial”, relembra.


Questionado pelo G1 sobre a afirmação de ameaça de morte, José Bezerra Neto se negou a dar um posicionamento. Ele voltou a dizer que a propriedade está documentada no seu nome em todas as instâncias.



Ajuda

Para resolver a situação, Kuin relata que procurou a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e as defensorias públicas Estadual e da União. Mesmo com as tratativas, o cacique ainda não conseguiu solucionar a situação.


Ele reivindica o uso do parque ecológico da cidade para desenvolver as atividades pensadas para indígenas que não moram mais em aldeias.


“O centro desenvolve atividades para parentes que perderam o contato com nossa cultura e história. Reinserimos essas pessoas com ações que trabalham nossa história, medicinas tradicionais, artesanato, encontros de mulheres e reunião da juventude. Também implantamos o etnoturismo, uma forma de sustentabilidade para o nosso povo”, argumenta o líder indígena.


Reunião


Para tentar solucionar a tensão entre os indígenas e o empresário, a Superintendência do Incra convidou as partes e representantes de diversos órgãos federais e estaduais para uma reunião na sede do órgão, em Rio Branco.


Entretanto, José Bezerra Neto não compareceu ao encontro, feito na quinta-feira (28), e não enviou representante para justificar a ausência.


Durante o longo debate, que teve a presença e protesto de algumas famílias indígenas que vivem no parque ecológico, alguns encaminhamentos foram feitos.


Os presentes decidiram que Incra e o cartório de Plácido de Castro farão um levantamento para avaliar o decreto que criou o município. Essa etapa é necessária para validar ou não os documentos de posse do empresário que instalou a cerca.


Além disso, o órgão vai fazer um estudo sobre o projeto de assentamento Pedro Peixoto para reavaliar os limites de domínio.


“Vamos fazer uma análise técnica, estudo cartorário e levantamento da cadeia dominial para esclarecer se os documentos de todos os envolvidos estão contínuos ou sobrepostos. Se a documentação do senhor José não for legítima, o Incra vai reaver a terra. Mas se a legalidade for comprovada, a questão vai seguir para a esfera judicial”, enfatiza Antônio Braña.


O secretário de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) do Acre, Nilson Mourão, garantiu que a pasta vai articular junto a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) uma ação para proteger os indígenas que moram no parque. “


Vamos trabalhar junto a Sesp para garantir a segurança da integridade física de todas as pessoas envolvidas nesse processo”, declarou.



Petição online

Um amigo do líder do centro ficou sabendo da situação após ele divulgar o caso nas redes sociais. Após conversar com o indígena sobre uma mobilização na internet e ter a aprovação de Mapu, ele criou uma petição online. Até agora, a campanha já conseguiu a adesão de mais de 75 mil pessoas.


Após a coleta das assinaturas, a petição será entregue a diversos órgãos estaduais e ao Departamento Regional Juruá da Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Departamento de Defesa dos Direitos Humanos.


G1


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