Os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Rondônia diminuiu em 6 meses a condenação do lavador de carros Alexander Luiz dos Santos, um dos envolvidos na trama diabólica, que culminou com o assassinato do aposentado Jesus Sabino Coelho, em dezembro de 2015, na zona rural de Ji-Paraná.
Alexander Luiz foi beneficiado por ter confessado espontaneamente no crime por uso de documento falso. Com a diminuição sua pena passa ser de 18 anos e seis meses de prisão. Os desembargadores mantiveram o restante da condenação, inclusive, não aceitando o pedido de anulação do júri popular.
O CRIME
Segundo denúncia do Ministério Público, embasado em investigações feitas pela Polícia Civil, Alexander agiu mancomunado com outras três pessoas para matar o aposentado e se apropriar de uma indenização de R$ 209 mil.
Segundo a Polícia, Jesus Sabino tinha um filho, de nome Samuel, que era usuário de drogas, e que também foi morto. Os dois eram os únicos beneficiários diretos da tal indenização, que tramita na Justiça de Alvorada D’oeste, contra o Município de Acrelândia (AC), sobre a morte da mãe de Samuel.
O corpo de Samuel, segundo a Polícia, foi encontrado em janeiro de 2016, boiando no rio Machado, a aproximadamente 30 quilômetros de foi desovado o do aposentado, no mês anterior. Essa foi a tática do grupo: eliminar pai e filho e se apropriar da herança através de uma fraude documental.
O papel de Alexander no crime foi se passar pelo filho do aposentado (Samuel). A morte de pai e filho foi tramada por Joaquim Alves dos Reis, que era sobrinho do aposentado, com a participação efetiva de um advogado, que chegou a ser preso na época pela polícia.
Foi Joaquim quem encontrou o “falso Samuel” e ainda o levou para tirar os documentos de 2ª via nos cartórios da cidade. Alexander, que seria recompensado com uma motocicleta, seria a próxima vítima do advogado e do sobrinho do aposentado e seria morto como queima de arquivo. Dessa forma, a herança ficaria com o advogado e com Joaquim.
O aposentado Jesus Sabino chegou a ser enterrado como indigente e foi morto a pauladas quando estava sedado. Seu desaparecimento repentino foi notado pela família, que, desconfiada, acionou a Polícia.
EMENTA
Homicídio. Júri. Soberania dos veredictos. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Não ocorrência. Redução pena-base. Circunstâncias judiciais. Desfavoráveis. Inviável. Aplicação. Atenuante. Confissão. Utilizada para convencimento magistrado. Possibilidade. Recurso parcialmente provido.
A decisão do júri que opta por uma das versões existentes nos autos, a qual encontra apoio em elementos idôneos de convicção, não pode ser anulada sob a alegação de ser manifestamente contrária à prova dos autos.
O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe ao juiz, com certa discricionariedade, pois mais próximo dos fatos e das provas, fixar as penas, de modo que o Tribunal somente poderá modificá-la se flagrantemente desproporcional e arbitrária.
É entendimento jurisprudencial, inclusive do STF, de que presente uma só circunstância judicial desfavorável já é suficiente para elevar a pena-base de seu mínimo legal.
A confissão do acusado deve ser reconhecida como atenuante da pena quando utilizada pelo magistrado para firmar o seu convencimento, em conjunto com outros meios de prova.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação nos termos do voto do relator.
Os desembargadores Valdeci Castellar Citon, Miguel Monico Neto, Marialva Henriques Daldegan Bueno.
Primeiro Fato (homicídio qualificado):
A denúncia narra que em data não esclarecida, entre os dias 20 e 22 de dezembro de 2015, em horário não especificado, na propriedade rural localizada no Setor Nazaré, Gleba Pyrineos, Lote 123-A1, na comarca de Ji-Paraná/RO, o apelante Alexsander Luiz dos Santos e seus comparsas Joaquim Alves dos Reis e João Batista Felbeck de Almeida, adrede mancomunados, de forma consciente e voluntária, no pleno gozo de suas faculdades mentais e cientes da ilicitude da conduta, utilizando-se de instrumento contundente, mediante promessa de recompensa, motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima ceifaram a vida de Jesus Sabino Coelho.
Segundo apurado, Joaquim era sobrinho de Jesus Sabino. E em 2012, Jesus sofreu um acidente de moto que lhe gerou graves sequelas, necessitando de auxílio de parentes. Com isso, Jesus outorgou uma procuração ao irmão, José Sabino Coelho, sendo que este e sua irmã, Laurinda Aparecida Coelho, passaram a prestar-lhe auxílio.
Consta que em outubro de 2013, Jesus adquiriu a propriedade rural acima mencionada, passou a cuidar de gados e também recebia um benefício previdenciário. Ainda, Jesus tinha um filho, Samuel Tavares Coelho, que era usuário de drogas e há aproximadamente oito anos não dava notícia.
Consta ainda que Samuel Tavares Coelho era beneficiário numa ação de indenização que ultrapassava R$ 209.000,00 (duzentos e nove mil reais), que tramita na Comarca de Alvorada do Oeste contra o município de Acrelândia/AC, em razão da morte de sua mãe, Ilda Tavares, ocorrida em 2003.
Contudo, Samuel era usuário de drogas e há aproximadamente oito anos não dava notícias ao pai e demais parentes, razão pela qual, não sendo encontrado, a ação foi arquivada.
Todavia, Joaquim, embora não possuísse bom relacionamento com os seus familiares e, interessado em se beneficiar da referida indenização, procurou o advogado João Batista Felbeck de Almeida, o qual lhe orientou a se aproximar da vítima Jesus e afastá-lo dos demais parentes, quando, então lhe apresentariam uma pessoa que se passaria por Samuel e receberiam o valor da indenização, que seria dividido entre eles e, sabedor das limitações que Jesus possuía, Joaquim aproximou-se dele no início de 2015 e, para cumprir seu intento, passou a convencê-lo de que os irmãos estavam se apropriando de seus bens, causando discórdia entre eles, vindo a conseguir que Jesus revogasse a procuração outorgada ao irmão e constituindo sua pessoa como seu procurador, passando a cuidar da vítima, a movimentar suas contas bancárias e http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrar os bens.
Ademais, Joaquim e João Batista procuraram o apelante Alexsander, prometendo-lhe uma motocicleta nova e o convenceram a se apresentar à vítima como sendo Samuel, pois eram muito semelhantes e as limitações de Jesus não lhe permitiriam perceber o golpe e, desta forma, Joaquim passou a convencer a vítima de que havia encontrado Samuel e, em meados de 2015, apresentou Alexsander como sendo o filho que estava desaparecido há mais de oito anos, além de convencer a vítima a contratar o advogado João Batista para dar andamento na ação de indenização em Alvorada do Oeste/RO.
Assim sendo, em junho de 2015, Joaquim foi até Alvorada do Oeste/RO, onde retirou segunda via da certidão de nascimento de Samuel, oportunidade em que, juntamente com Alexsander e João Batista, foram aos órgãos públicos competentes desta cidade e, passando-se por Samuel, o apelante Alexsander confeccionou CPF e título de eleitor, bem como abriu uma conta no Banco Itaú e, na data de 25/6/2015, o apelante e os comparsas juntaram na ação de indenização uma procuração assinada pelo falso Samuel, outorgando poderes ao advogado João Batista, causando o desarquivamento do processo e o prosseguimento da ação de indenização.
Enquanto, isso, para que a vítima e parentes não desconfiassem de seus planos ou tivessem que dividir o valor da indenização, o apelante Alexsander e os comparsas decidiram matar Jesus, contudo, antes do homicídio, Joaquim convenceu seu tio Jesus a vender a propriedade rural, com a intenção de ficar com o patrimônio e, assim, no mês de novembro de 2015, Jesus vendeu o imóvel rural a Elton Pereira pelo valor de R$ 180.000,00 sendo dado como pagamento o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), uma casa no valor de R$ 115.000,00, um veículo Fiat Strada no valor de R$ 40.000,00 e dois cheques de R$ 7.500,00 para trinta e sessenta dias.
Apurou-se que Joaquim fez toda a negociação da venda do imóvel da vítima, uma vez que possuía procuração e ficou com o carro e com a casa dados como parte do pagamento, vendendo-os posteriormente e, com a venda do imóvel rural e o andamento da ação de indenização, o apelante Alexsander e os comparsas combinaram o dia de matar Jesus, cujo delito ocorreu entre os dias 20 e 22 de dezembro de 2015, sendo que no dia dos fatos, Joaquim e Alexsander foram até a propriedade rural que Jesus havia vendido a Elton, pois a eles coube a execução do homicídio e, sabedor da rotina de Jesus e da sua necessidade de tomar medicamentos, Joaquim entregou-lhe um comprimido que o deixou tonto. Em seguida, usando possivelmente um cabo de machado, desferiram diversos golpes na cabeça da vítima, causando-lhe a morte.
Ato contínuo, Joaquim e o apelante Alexsander enrolaram o corpo de Jesus numa lona e o colocaram no veículo Fiat Strada, dado como parte do pagamento da venda propriedade rural e o levaram até Rolim de Moura, onde foi desovado nas proximidades do Rio São Pedro.
Segundo apurado, no dia 22/12/2015, populares encontraram o corpo da vítima no local mencionado, sendo ele enterrado como indigente naquela cidade por falta de conhecimento da sua identidade. Neste ínterim, familiares de Jesus foram até a sua propriedade rural para convidá-lo a participar juntos das comemorações do Natal, quando perceberam que o local estava abandonado e souberam pelos vizinhos da chácara que ele havia vendido o imóvel. Preocupados, procuraram Joaquim, quando, então, ele informou que Jesus havia se mudado para o Acre com o filho Samuel, sem deixar endereço.
Foi apurado que os familiares de Jesus, desconfiados, registraram ocorrência policial sobre o seu desaparecimento, vindo a ser descoberto que o apelante Alexsander e os comparsas haviam ceifado a sua vida, sendo Joaquim e Alexsander os autores diretos do delito e João Batista partícipe.
Diz a exordial, que João Batista tinha pleno conhecimento da intenção de Joaquim e Alexsander, bem como prestou auxílio para dar prosseguimento à ação de indenização e para a venda do imóvel rural.
Consta, que Joaquim e Alexsander, ao desferirem os primeiros golpes na vítima, o fizeram pelas costas e depois de estar ele tonto pela medicação dada por Joaquim, não oportunizando possibilidade de defesa, sendo que os repetidos golpes na cabeça da vítima causaram-lhe sofrimento inútil e impiedoso, demonstrando o meio cruel usado pelos acusados.
Narra que ao combinarem que o apelante Alexsander se passaria pelo filho de Jesus, bem como auxiliaria em sua execução, prometeram uma recompensa consistente numa motocicleta nova e, também estavam munidos de torpeza, pois o crime foi praticado para apoderarem e usufruírem sozinhos dos valores decorrentes da indenização de Samuel e da venda da propriedade rural da vítima.
Segundo Fato (uso de documento falso):
Segundo apurado, no mês de junho de 2015, em horário não identificado, no Fórum de Alvorada do Oeste/RO, Joaquim Alves dos Reis, o apelante Alexsander Luiz dos Santos e seus comparsas Joaquim Alves dos Reis e João Batista Felbeck de Almeida, previamente ajustados, fizeram uso de documentos públicos falsificados.
Com vista a receber a indenização que caberia ao verdadeiro Samuel Tavares Coelho, Joaquim foi até aquela cidade onde conseguiu a segunda via da certidão de nascimento de Samuel e, após, o apelante Alexsander e seus comparsas Joaquim e João foram até a Receita Federal e ao Cartório Eleitoral, na cidade de Ji-Paraná, e emitiram um CPF e Título de Eleitor em nome de Samuel, para que Alexsander pudesse se fazer passar por ele.
Da mesma forma, o apelante Alexsander e seus comparsas Joaquim e João foram até a Junta do Serviço Militar 012, onde solicitaram os Certificados de Alistamento e de Dispensa de Incorporação em nome de Samuel e, em seguida, juntaram cópias dos documentos na ação de indenização já mencionada anteriormente, de modo que Alexsander se passaria por Samuel e receberia os valores e os repassaria aos demais acusados.
Terceiro Fato (ocultação de cadáver):
Em data não esclarecida nos autos, entre os dias 20 e 22 de dezembro de 2015, na RO-383, km 26, próximo ao rio São Pedro, distrito Nova Estrela, em Rolim de Moura-RO, o apelante Alexsander Luiz dos Santos e seu comparsa Joaquim Alves dos Reis previamente ajustados, após matarem a vítima Jesus Sabino Coelho, ocultaram o seu cadáver para que os familiares não descobrissem o ocorrido.
Narra a inicial que no dia 22/12/2015, populares localizaram o corpo de Jesus e, como não conseguiram identificar a sua identidade, foi ele enterrado naquela cidade como indigente.
O apelante Alexsander Luiz dos Santos, após decisão do colegiado, foi condenado à pena de 19 anos de reclusão e, 60 dias-multa, em regime inicial fechado, por infração ao art. 121, §2º, incs. I e IV, (promessa de recompensa e meio que impossibilitou a defesa da vítima) c/c art. 29, e art. 211 (ocultação de cadáver) e 304 (uso de documento falso), na forma do art. 69, todos do CP.
Inconformado, alega ser a decisão do conselho de sentença manifestamente contrária à prova dos autos. Alternativamente, requer a redução da pena-base para o mínimo legal, bem como a aplicação da atenuante de confissão espontânea.
DA ANULAÇÃO DO JULGAMENTO
Sabe-se que, regra geral, a soberania dos veredictos deve ser preservada, de forma que somente se admitirá a sua cassação quando evidenciada desarmonia entre sua decisão e as provas carregadas nos autos.
Nesse passo, conquanto se conviva com o princípio da soberania dos veredictos, sobretudo em respeito à busca ao ideal de justiça, é legítimo que o tribunal examine se o direito individual ao julgamento pelo júri, por ter sido abusivamente exercido, não atenta contra a segurança do direito à vida que a CF/88 também garante.
De fato, as decisões do conselho possuem valor relativo. E, quando assim se assevera, se diz, em verdade, que tanto no caso de referendar absurda tese defensiva como na de acusação descabida (art. 593, inc. III, d, do CPP), o Judiciário, a quem a Constituição confiou a tutela suprema dos direitos individuais, deve, em juízo de cassação, não de reforma, anular a decisão do júri.
Nesse sentido, a jurisprudência é unânime ao afirmar a compatibilidade entre o disposto no art. 593, inc. III, d, do CPP, com o referido postulado constitucional estabelecido pelo art. 5º, XXXVIII, c, da CF/88, dando o valor relativo à soberania dos veredictos, pois tais decisões, não obstante a sua extração constitucional, “não se revestem de intangibilidade jurídico-processual” (TJSP, JTJ-LEX 188-304).
Entretanto, se a decisão dos jurados – juízes leigos – encontrar algum suporte em elemento contido no conjunto da prova, isto é, em uma das versões plausíveis e razoáveis, não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos que possa ensejar sua cassação pelo Tribunal de Justiça. Neste sentido, o STF decidiu:
STF – A jurisprudência do STF consagra a soberania das decisões do Tribunal do Júri, as quais devem estar apoiadas numa das versões razoáveis dos fatos; entretanto, a versão adotada pelos jurados não pode ser inverossímil ou arbitrária. Precedente. (STF – 2ª turma – HC 77.809 – Rel. Min. CORRÊA, Maurício, Julg. 1/12/1998 – RTJ 178/314)
Na mesma esteira, a clássica doutrina de Eduardo Espínola Filho, “Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, E. Borsoi, Rio de Janeiro, 1955, v. VI, pgs. 116-117, transcreve o ensinamento de Ivair Nogueira Itagiba:
[…] mas se a decisão do júri encontrar algum apoio na prova dos autos é dever do Tribunal de Apelação manter a decisão do júri, que subsiste, pois não foi extinta a instituição do júri. O júri é, via de regra, um somador de indícios, de afirmações, e com fundamento na soma desses indícios e afirmações de testemunhas, vai afirmar decisão que encontra “algum” apoio na prova dos autos e o Código atual reproduziu o dec.-lei n. 167. Hoje, a lei aplica a palavra “algum apoio”, de modo que o tribunal superior só deve reformar essa decisão quando, numa vista panorâmica da prova, o conjunto examinado, verificar que a decisão do júri é disparatada; desde que encontre elementos que conduzam à decisão não pode reformar porque se reformar essa decisão, a torto e a direito, então não havia mais necessidade da instituição do júri – e sabemos que mesmo no dec.-lei n. 167, a intenção do legislador foi deixar que o povo, afinal, também pelos seus elementos representativos, pudesse intervir no julgamento de seus semelhantes de modo que temos de aplicar os termos da lei. O Tribunal superior só reforma decisão do júri quando ela for disparatada, inteiramente contrária à prova dos autos, aberrante dos elementos dessa prova. Mas, desde que encontre algum apoio, não podemos reformar porque se reformarmos não subsiste mais o júri, bastava da decisão do juiz haver recurso para o Tribunal.
Da mesma obra, a citação da lição de Nélson Hungria (apud, Eduardo Espínola Filho, “Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, E. Borsoi, Rio de Janeiro, 1955, v. VI pgs.118-119):
[…] Manteve-se o tribunal do júri com uma soberania limitada; uma vez que há um elemento de convicção, dentro dos autos, em favor de sua decisão, o tribunal superior não pode cassar a sua decisão. Uma testemunha de vista contra 5 testemunhas; uma afirma que o réu não praticou o delito e as cinco outras negam; o júri absolve: o tribunal não pode modificar essa decisão. Há testemunhas contraditórias; o tribunal pode entender que há dúvida, mas o júri achou que não há dúvida – e o júri pode decidir na dúvida. E o tribunal só pode reformar a decisão quando não há menor elemento nos autos, não há prova alguma, apoio algum na prova – não é possível que se deturpe o texto legal para anular o júri; ele foi mantido como uma instituição soberana, embora limitada nessa soberania. Não podemos levar, estender, ampliar, dar esse elastério.
E bem mais recente, a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua obra “Código de Processo Penal Comentado”, Saraiva, 12ª ed., 2009, v. II, pg. 359:
A alínea cuida da decisão manifestamente contra a prova dos autos. Qual o sentido da expressão? Como já se disse, deve o Tribunal de Justiça, “numa visão completa e panorâmica da prova, verificar se a decisão nela encontra alicerce, isto é, se nela encontra algum apoio. O algum apoio existente na prova impede a reforma, que só é possível ser feita quando a sentença for disparatada, inteiramente contrária, flagrantemente aberrante dos elementos dessa prova. Não fora assim, bastaria a sentença do Juiz com recurso para o Tribunal. O Júri não existiria” (Ivair Nogueira Itagiba). Mais contundente foi Hungria, que, além de apoiar Nogueira Itagiba, quando da discussão sobre o tema observou: “Uma vez que há um elemento de convicção dentro dos autos, em favor de sua decisão, o tribunal superior não pode cassar a sua decisão (do Júri). Uma testemunha de vista contra 5 testemunhas; uma afirma que o réu não praticou o delito e as cinco outras negam; o júri absolve: o tribunal não pode modificar essa decisão. Há testemunhas contraditórias; o tribunal pode entender que há dúvida, mas o júri achou que não há dúvida – e o júri pode decidir na dúvida. E o tribunal só pode reformar a decisão, quando não há o menor elemento nos autos, não há prova alguma, apoio algum na prova – não é possível que se deturpe o texto legal para anular o júri; ele foi mantido como uma instituição soberana” (apud Espínola Filho, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. 6, p. 119) (g.n.)
Nessa perspectiva, regra geral, a soberania dos veredictos deve ser preservada, de forma que somente se admitirá a sua cassação quando evidenciada desarmonia entre sua decisão e as provas carregadas nos autos. Isto é, somente aquela decisão que nenhum apoio encontra-se nos autos é que pode ser invalidada.
A despeito das assertivas acima que reafirmam a possibilidade de uma mitigação do princípio da soberania dos veredictos, não vejo, no caso, motivos suficientes para tanto, uma vez que a decisão dos jurados, data venia, não é manifestamente contrária à prova dos autos.
De uma análise dos autos, especialmente as teses defendidas em plenário, verifica-se que a decisão dos senhores jurados não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos ao optaram pela responsabilização do apelante na forma do 121, §2º, incs. I e IV, (promessa de recompensa e meio que impossibilitou a defesa da vítima) c/c art. 29, art. 211 (ocultação de cadáver) e art. 304 (uso de documento falso), todos do CP.
Nesse passo, por maioria dos votos, o Conselho de Sentença reconheceu a materialidade, o nexo de causalidade e a letalidade das lesões sofridas pela vítima. Ressalte-se que ficaram evidenciadas as qualificadoras de mediante promessa de pagamento e do recurso que dificultou a defesa da vítima.
Assim, verifica-se que a decisão dos senhores jurados não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos, porquanto reconheceram a tese da acusação, o qual ficou comprovada.
Assim, a soberania dos veredictos deve ser preservada, em razão de não ter sido evidenciada desarmonia entre sua decisão e as provas carregadas nos autos. Ademais, se a decisão do júri resultou alicerçada em versão apresentada nos autos, não se traduz em decisão manifestamente contrária.
DA DOSIMETRIA DA PENA
Como cediço, a dosimetria da pena é matéria sujeita à certa discricionariedade judicial pois o Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena.
Não se altera a pena, sobretudo quando, dentro do controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores apenas em eventuais casos de discrepâncias gritantes e arbitrárias (STJ – RHC 117489).
Analisando os autos, verifica-se que parte das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP foram valoradas como desfavoráveis, tais como culpabilidade, personalidade, circunstâncias e comportamento da vítima.
Assim, para o homicídio qualificado, cuja pena abstrata varia entre 12 e 30 anos, foi fixada a pena-base acima do mínimo legal em 01 ano (13 anos de reclusão).
Em relação à ocultação de cadáver, fixou a pena-base em 02 anos de reclusão, e 30 dias-multa, isto é, 01 ano acima do mínimo legal.
Por fim, para o crime de uso de documento falso, a pena-base foi fixada em 03 anos de reclusão, e 30 dias-multa, ou seja, também 01 ano acima do mínimo.
Assim, baseado nestas circunstâncias, está justificada a imposição das penas acima dos seus mínimos legais.
Nesse passo, diferente do que sustenta o apelante, a fixação da pena-base acima do mínimo legal não afronta o princípio da proporcionalidade e da individualização da pena, pois está devidamente justificada, ante algumas das circunstâncias judiciais serem desfavoráveis a ele.
Como cediço, o STF decidiu que se estiver presente uma só circunstância judicial desfavorável, já é suficiente para elevar a pena-base de seu mínimo legal. Nesse sentido: HC 76196/GO.
Esta corte, em situação semelhante, já decidiu no sentido de que se as circunstâncias são, em partes, consideradas desfavoráveis, justificada está a fixação da pena-base acima do mínimo legal (AP n. 1003477-87.2003.8.22.0012. Relator Des. Valdeci Castellar Citon, Julg. 11/2/2010).
Quanto ao pedido do apelante para a aplicação da atenuante de confissão espontânea, razão lhe assiste apenas em relação ao delito de documento falso.
Com efeito, em seu interrogatório em plenário (mídia fl. 914), o apelante confessou a prática do delito previsto no art. 304 do CP, tendo o magistrado utilizado a confissão como um dos alicerces para condenação, o que atrai a aplicação da Súmula n. 545 do STJ, que dispõe:
Súmula n. 545 do STJ
Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.
Assim, deve o apelante ser beneficiado com a atenuante da confissão, haja vista que suas declarações foram utilizadas para condenação. Neste sentido:
STJ – Se a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial, ou se houve retratação posterior em juízo. (Eresp-1.154.752/RS). [¿] (HC 176.405/RO, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, Julg. 23/4/2013)
Deste modo, reconheço a existência da atenuante da confissão (art. 65, III do CP), devendo a sentença ser reformada, neste particular.
Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, tão somente para reconhecer a atenuante de confissão espontânea e, via de consequência, reduzir a pena aplicada em 06 meses, tornando-a definitiva em 02 anos e 06 meses de reclusão, e 30 dias-multa, para o delito de uso de documento falso.
Em razão do concurso material, unifico as penas (homicídio qualificado, ocultação de cadáver e uso de documento falso), totalizando em 18 anos e 06 meses de reclusão, no regime fechado, e o pagamento de 60 dias-multa, mantendo-se os demais termos da sentença.
É como voto.
DESEMBARGADOR VALDECI CASTELLAR CITTON
Peço vista dos autos.
DESEMBARGADOR JOSÉ JORGE RIBEIRO DA LUZ
Aguardo.
CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO DIA 23/08/2017
VOTO-VISTA
DESEMBARGADOR VALDECI CASTELLAR CITTON
Presidente, pedi vista dos autos para melhor analisar as provas acostadas ao feito.
O apelante nega que tenha participado do homicídio, alegando que somente participou do golpe que dariam para receber os valores devidos na ação de indenização proposta contra o município de Acrelândia/AC, passando-se pela pessoa de Samuel Tavares Coelho, filho da vítima que estava desaparecido, em troca de uma motocicleta.
Contudo, consta nos autos que o apelante confessou perante a autoridade policial que estava na chácara da vítima quando ela foi assassinada, porém assevera não ter participado do ato e apenas assistiu aos fatos (fls. 171/174).
Não obstante tenha se retratado em juízo, negando ter presenciado os fatos, alegando ter sido pressionado pela polícia para narrá-los, consta nos autos as declarações do corréu afirmando que foi o apelante quem matou a vítima (mídia fl. 914).
Assim, os limites impostos pelo art. 593, § 3º, do Código de Processo Penal não deixam dúvidas que somente deve-se dar provimento à apelação, sujeitando o réu a novo julgamento, se ficar suficientemente demonstrado que a decisão do Conselho de Sentença foi ¿manifestamente contrária¿ ao conjunto probatório.
Como bem explanado pelo relator, as decisões manifestamente contrárias às provas dos autos são aquelas que não encontram o mínimo respaldo nos autos, violando as regras básicas da própria lógica, consubstanciando verdadeira arbitrariedade do Tribunal Popular, excluindo-se desta interpretação as decisões em que os jurados, diante de circunstâncias subjetivas ou ainda provas divergentes, acolhem uma das teses apresentadas pelas partes, julgando o caso de acordo com sua íntima convicção, para as quais é assegurada a soberania dos veredictos (art. 5º, inc. XXXVIII, alínea ¿c¿, da Constituição Federal).
In casu, o que se vê do arcabouço probatório é que a versão adotada pelo Tribunal Popular não é deste dissociada, porquanto existem elementos suficientes para sustentar a condenação proferida naquele juízo, uma vez que o apelante informou perante a autoridade policial que estava presente no momento dos fatos, consubstanciado pelas declarações do corréu Joaquim que alegou que o apelante quem teria matado a vítima.
Portanto, não se mostrando a decisão do Conselho de Sentença manifestamente contrária à prova dos autos, pois julgaram a partir da íntima convicção, havendo elementos que subsidiam a versão acolhida, não há que se falar em anulação do julgamento.
Dessa forma, acompanho o voto do eminente relator.
DESEMBARGADOR JOSÉ JORGE RIBEIRO DA LUZ