Um indígena de 37 anos, da etnia huni kuin (kaxinawá), do Rio Envira, está preso desde o começo do mês no quartel da Polícia Militar do Acre, no município de Feijó, após agentes da Polícia Civil flagrá-lo com 51,5g de maconha e 6,9g de rapé misturado com cocaína.
O resultado positivo da presença de cocaína no suposto rapé foi constatado em exame toxicológico (narco teste) preliminar realizado na Delegacia de Polícia Civil da cidade.
Vários indígenas, principalmente da etnia kaxinawá, têm sido presos no Acre nos últimos anos com maconha.
Caso o juiz de Feijó decida em audiência de custódia que o indígena terá que responder ao processo preso, ele terá que ser transferido para a penitenciária de Tarauacá.
Com um histórico de conflitos em sua aldeia, o indígena preso vivia basicamente de vender e realizar rituais com rapé em cidades como Rio, Brasília e São Paulo, onde o consumo de tabaco em pó feito para cheirar é crescente.
O caso trouxe mal-estar aos huni kuin, agora divididos entre os que comemoram a prisão e os que tentam libertá-lo.
Excetuando o já grande comércio de ayahuasca, nos últimos anos os indígenas do Acre passaram a viajar e a ganhar dinheiro com a exportação de rapé e kambô, conhecido como vacina do sapo.
Turistas estrangeiros, principalmente chilenos, costumam viajar até Cruzeiro do Sul (AC) para comprar a secreção do sapo cristalizada.
Existe até uma mistura muito perigosa, que não faz parte da tradição de nenhuma etnia, que combina rapé com kambô.
Atualmente, o rapé faz parte da lista de produtos da floresta acreana mais comercializados dentro e fora do país.
Alguns indígenas, individualmente, chegam a produzir até 40kg de rapé. Além disso, nas cidades do Acre, brancos produzem rapé e comercializam como sendo de origem indígena. Vários sites, dentro e fora do Brasil, também comercializam abertamente o rapé, inclusive com outras misturas exóticas.
Nenhum documento antropológico ou etnográfico sobre as populações indígenas do Acre menciona o cultivo e uso de maconha.
Os huni kuin gostaram tanto da canabis que passaram a cultivá-la em suas aldeias. Dizem que é um “tabaco perdido”, que era consumido por seus ancestrais.
A maconha passou a ser chamada de shuru e contou até com parecer antropológico em defesa de seu cultivo na terra indígenas da etnia.
As redes sociais, especialmente o Facebook, são o ambiente ideal para acompanhar a expansão do comércio de todas essas substâncias em várias cidades do mundo, levadas por indígenas.
Existem jovens indígenas com menos de 20 anos de idade que se declaram pajés e viajam para metrópoles atraídos por gente do movimento new age, capaz de pagar em dólares por experiências com substâncias que sejam capazes de ampliar os sentidos.
Das 14 etnias presentes no Acre, o consumo de folha de coca para mascar faz parte da tradição apenas dos ashaninka, que pertencem a família linguística aruak (ou arawak), principal componente do conjunto dos aruak sub-andinos, também composto pelos matsiguenga, nomatsiguenga e yanesha (ou amuesha).
Mascar folha de coca virou moda entre as demais etnias, que são da família linguística pano. Como a planta não existe nas terras destas etnias, os indígenas adquirem a folha de coca em cidades e vilarejos peruanos e bolivianos.
A moda, que começou entre os yawanawá, se tornou o foco de preocupação do líder indígena Joaquim Tashka Yawanawá durante o recente 5˚Festival Mariri de sua etnia.
Indígenas e brancos compareceram ao festival com sacos pretos contendo folhas de coca. Por causa disso, o líder indígena já solicitou à Funai para agendar a presença, na aldeia Mutum, do delegado da Polícia Federal de Cruzeiro do Sul.
— Mascar coca não faz parte de nossa tradição e não vamos ficar mascando coca apenas porque os ashaninka mascam. Queremos a presença do delegado da Polícia Federal para nos explicar sobre as implicações legais disso. Vamos primeiro criar consciência de que não faz parte de nossa cultura e que isso pode nos causar problemas com a lei, pois o cultivo e uso da folha de coca são proibidos por causa de sua substância. Depois desse esclarecimento, após tentar criar essa consciência, nós vamos expulsar de nosso convívio e até denunciar às autoridades quem continuar trazendo folha de coca para mascar em nossa aldeia.
Consultada, a Funai de Cruzeiro do Sul disse que acompanha o caso do indígena preso e prometeu se manifestar após apurar os demais fatos relatados nesta nota.