Uma nova modalidade de pirataria está se espalhando pela internet e provocando prejuízos bilionários às empresas de tevê por assinatura
O esquema era mambembe. Num passado recente, para roubar o sinal de tevê por assinatura, piratas subiam em postes e arriscavam-se a tomar um choque elétrico para obter acesso a canais pagos sem precisar gastar um tostão. O tempo passou e os gatunos se sofisticaram. Agora, eles criam empresas que facilitam o “gatonet”, termo usado para conseguir acesso irrestrito a canais pagos de forma ilegal. Basta baixar um aplicativo no celular e cadastrar uma lista de canais que pode ser facilmente obtida na internet de graça ou alugada mensalmente por algo em torno de R$ 30.
O valor é um décimo do que cobram as principais operadoras, como NET, Sky ou Vivo, por seus planos mais caros. As companhias perdem R$ 6 bilhões ao ano com essas práticas, segundo estimativas da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), entidade que representa as empresas da área. Esse dado contempla todo o tipo de pirataria, não só apenas essa nova modalidade que está se espalhando pela internet. O gatonet 2.0 ocorre por meio de serviços de IPTV (da sigla internet protocol TV). Essa tecnologia não é exatamente nova. Ela permite realizar transmissões de canais com sinais abertos ou fechados pela internet.
O problema ocorre quando os piratas conseguem capturar sinais de emissoras fechadas e montam listas com centenas de opções de canais. “Muitas vezes, os piratas acabam assinando serviços legítimos e, então, realizam a redistribuição para outros internautas”, explica Gabriel Hahmann, diretor de vendas da Irdeto, empresa de segurança para plataformas digitais. Há ainda outros métodos de roubar os sinais, alguns são até relativamente simples. Para realizar o comércio das listas de canais pagos, são criados sites e páginas em redes sociais que permitem a aquisição com pagamento por cartão de crédito, boleto ou transferência bancária.
Existe até mesmo suporte técnico para os iniciantes. Do lado do consumidor, ao receber a lista, basta adicioná-la em algum aplicativo de IPTV de celular, computador ou televisor. Também é possível utilizá-las em set top boxes, equipamentos que são conectados às tevês pela entrada HDMI e funcionam com sistema operacional Android. A ABTA encara a modernização dos esquemas com naturalidade. “A indústria pirata evoluiu. Não há surpresa”, diz Antonio Salles Neto, coordenador do Núcleo Anti-Fraude de TV por Assinatura da entidade. Apesar disso, o foco da associação não está sendo o combate aos piratas. “Optamos por investir mais em nossos produtos do que em remédios contra a pirataria.”
Não é possível quantificar a quantidade de empresas que estão vendendo essas listas ilegais, mas elas ultrapassam as centenas em uma simples pesquisa pela internet e pelas redes sociais. A DINHEIRO tentou entrevistas com algumas delas. A TP, que vem ganhando destaque nas redes sociais, não quis comentar. A justificativa foi de que “fica complicado dar entrevistas porque a IPTV não tem regulamentação no Brasil”. Mesmo assim, a reportagem apurou que o serviço está disponível para, pelo menos, 738 pessoas. Em uma conta rápida e levando em consideração o preço mensal de R$ 30, o faturamento do negócio gira em torno de R$ 22 mil ao mês.
Por R$ 35 mensais, o serviço da F IPTV oferece acesso a todos os canais abertos e fechados disponíveis nos principais planos de tevê por assinatura e conteúdo on demand (filmes, séries e shows). Tudo transmitido em qualidade HD para o usuário. “Temos cerca de 500 assinantes”, diz o proprietário do canal, em uma conversa na qual a reportagem se identificou como um potencial cliente. Neste caso, o faturamento é um pouco mais modesto: R$ 17,5 mil ao mês. O IPTV pirata já é um crime previsto no Código Penal brasileiro. “Não é permitido realizar a reprodução desse tipo de conteúdo pela internet”, diz Renato Opice Blum, coordenador do curso de direito digital do Insper.
Em termos jurídicos, o crime pode ser enquadrado como furto de sinal (de um a quatro anos de prisão) ou estelionato (de um a cinco anos de prisão). Se o serviço for http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistrado por três ou mais pessoas, há ainda crime de formação de quadrilha. Ao todo, o tempo de reclusão pode chegar a até oito anos. Os consumidores também estão sujeitos a encararem a lei. “Há crime de receptação, caso fique provado que o consumidor sabia que estava adquirindo algo ilegal”, diz Blum. Para este delito, a pena é de um a quatro anos de prisão e multa.
As empresas de tevê por assinatura têm a sua parcela de culpa no crescimento da pirataria, na visão de Hahmann, da Irdeto. Segundo o especialista, a solução para combater esse tipo de crime é a adoção de tecnologias mais modernas. A marca d’água forense é uma delas. “Se alguém redistribuir um filme ou uma série que esteja com essa marca, é possível rastrear quem fez isso e retirar o conteúdo do ar imediatamente.” Professor do departamento de engenharia de sistemas eletrônicos da Escola Politécnica da USP, Marcelo Zuffo concorda com a fragilidade. “As empresas usam técnicas crioptográficas fracas. Elas precisam se modernizar”.
A tevê por assinatura teve um ciclo de expansão rápido de 2011 a 2014, quando o número de clientes passou de 12,7 milhões para 19,6 milhões. A partir de então, começou a perder clientes. Em maio de 2017, contava com 18,6 milhões de assinantes. Apenas nove em cada 100 brasileiros pagam pelo serviço. A crise econômica ajuda a explicar esse declínio. O avanço do serviço de streaming de filmes Netflix, que cobra mensalidades a partir de R$ 20, contribuiu para a redução. A pirataria também entra nesse cálculo. Estima-se que três milhões de brasileiros acessem o serviço de forma ilegal, segundo a ABTA.