O projeto ‘Brasil de Carona’ pretende passar por cidades de todas as regiões do país. ‘A morte está ligada à rigidez e a vida à flexibilidade’, diz viajante.
Porque eu sou apenas movimento, sou do mundo, sou do vento. Nômade”. O trecho da música do Skank revela um pouco do estilo de vida adotado pelo professor Marcos Camargo há pouco mais de dois anos. Natural de Cascavel, no Paraná, aos 42 anos ele vive uma vida nômade e há um mês deu início ao projeto Brasil de Carona.
Sem nunca ter tido casa própria, ele conta que para dar o pontapé inicial na aventura, vendeu uma cama e um guarda-roupa. “Era o que eu tinha”, completa. Atualmente se propõe a visitar cidades brasileiras com algumas coisas na mochila que são, segundo ele, tudo que tem na vida.
O projeto iniciou no dia 12 de junho, mas o estilo de vida de Camargo mudou um pouco antes. Ele deixou para trás emprego e a rotina do dia a dia e decidiu se aventurar pelas estradas do país para ter contato com várias culturas e desmistificar alguns pontos. A ideia é em cada temporada de seis meses visitar uma região do país. Ele escolheu começar pelo Norte.
“A minha ideia era começar por regiões do Brasil que eu não conhecia absolutamente nada, a região Norte. Como nós, seres humanos, somos seres da relação, acho que a gente se conhece conhecendo os outros. Acho que quando eu voltar para a região Sul, vou redescobrir o lugar que me viu nascer, porque conhecendo outras realidades, outras coisas do Brasil, vou entender melhor, inclusive, o que é ser brasileiro, se é que isso existe. Porque as coisas estão sempre em processo, é uma coisa que a gente aprende bastante sendo viajante”, diz.
Viagem e custos
Mochileiro, nômade, o viajante fez questão de deixar para trás o cargo de professor. Atualmente, conhecendo algumas cidades, ele se autointitula como empreendedor social. Ele diz que tem uma filha e que a família entende o novo estilo de vida adotado recentemente. Segundo ele, desde pequeno teve uma visão altruísta de tudo.
“Eu achava que o mais interessante é você trabalhar de uma forma que a comida que você come, o teto que te abriga, a roupa que você veste não dependesse do seu trabalho, mas que o seu trabalho fosse para construir coisas para as pessoas. E que você tivesse isso, que são coisas mínimas, um lazer, um espaço para estar com os amigos. Eu descobri na vida nômade a possibilidade de você viver desse modo”, explica.
Com placas na mão e parando em postos de combustíveis, ele acena e pede carona para o destino escolhido. Desde o dia 12 de junho, passando por algumas cidades, algumas no estado de Rondônia, onde conheceu sete municípios e um distrito, ele diz que gastou do seu bolso R$ 20. O restante das viagens, ele custeia com ajuda das pessoas que o hospedam, pois ele procura membros na rede couchsurfing.
Ele também consegue dinheiro dando aulas de espanhol e português na internet por um valor mensal de R$ 100 para ajudar nas despesas, mas, no mais, a viagem continua com a ajuda das caronas e pessoas que o recebem. “Teve situações que a própria pessoa que me hospedou ou me deu carona, tirou dinheiro do bolso e me deu. O que leio disso é que a pessoa quer se sentir útil”, complementa.
Pai de uma filha de 16 anos, ele diz que intercala as viagens e que sempre se mantém em contato com a jovem e também ajuda com a educação e sustento da filha. Antes de iniciar o projeto, ele esteve com a menina e diz que essa relação o motivou ainda mais a conhecer mais histórias.
No Norte, por enquanto, Camargo diz que sentiu a diferença dos altos casos de assédio e até abuso sexual contra as mulheres. Culturalmente, ele diz que foi o que mais impactou. “Não que o Sul seja perfeito, mas isso aqui é muito forte e fiquei impressionado”, revela.
Ele quer ter uma visão panorâmica dos estados por onde deve passar nos próximos meses. Diz ainda que o objetivo não é conhecer tudo, mas desenvolver reflexões e montar diários de viagens que podem ser publicados futuramente.
“Cada temporada de seis meses é uma região do Brasil, exceto Tocantis, porque a região Norte é gigante, vou fazer o Tocatins na segunda temporada, junto com o Centro-Oeste. Terceira temporada é a região Nordeste, quarta temporada a região Sudeste do Brasil, menos São Paulo, que é gigantesco, que vou deixar para fazer na última temporada, com a região Sul”, detalha.
A ideia de Camargo é ter contato com o cotidiano de diferentes culturas dentro do país. Ele define a viagem pela estrada como uma meditação e diz que não se vê preso à rotina, mas também garante que não quer impor a ninguém seu estilo de vida. “Não incentivo, mas se me perguntarem, eu falo. Eu entendo é que as pessoas querem uma oportunidade de serem solidárias, porque a solidariedade é uma das coisas que mais nos torna humanos”, enfatiza.
Quando o orçamento aperta, ele recorre ao dom da música. Por seis meses, ele ficou em uma praia do Nordeste tocando percussão em uma banda para levantar algum dinheiro. Depois, seguiu viagem. A filosofia de Camargo é realmente contar com as pessoas. Quando não acha quem o acolha durante a hospedagem em uma cidade, ele monta a barraca e segue a aventura.
“Aprender com as pessoas e as coisas de cada lugar e até desmistificar algumas coisas e de quebra conhecer os membros dessa família gigantesca chamada humanidade. Quando a gente não está focado em acumular coisas, sua visão abre muito”, acredita.
Apesar de rodar o Brasil e ter uma meta a ser seguida, o plano de Camargo é não ter plano. No meio da viagem, ele diz que pode mudar o percurso, seguir outro caminho. Depende da circunstância e da disponibilidade dele. “Acho muito soberbo dizer que vou conhecer o Brasil, porque nem meu estado eu conheço direito. O meu intuito é o contato com as pessoas”, revela.
O viajante revela que, às vezes, passa por algum perrengue durante as viagens. Nada que o desanime, afinal, ele acredita que a dificuldade é uma questão de ponto de vista. Bem humorado, ele conta que já passou quatro dias sem comer entre uma viagem da Bolívia e o interior de São Paulo, mas garante que é porque a pressa era grande e acabou acelerando etapas.
”Vida é flexibidade’
Quando vai para a rua pedir carona, ele diz que o máximo de tempo que leva até que um motorista o acolha é 1 hora. De resto, ele diz que sempre tenta tirar coisas boas de situações que, às vezes, podem parecer desagradáveis. “A morte está ligada à rigidez e a vida à flexibilidade”, completa.
Com serenidade e tranquilidade, Camargo diz que quer conhecer gente, culturas e culinárias diferentes e contar o que vai vendo pelo Brasil afora. Como bom altruísta, faz isso com ajuda de outras pessoas e ajuda, de alguma maneira, quem o conhece.