Paloma Aparecida Carvalho foi liberada após ficar detida por quase 48h
A brasileira Paloma Aparecida Carvalho, 24, vinha levando uma vida meio europeia, meio campineira nos últimos anos. Aluna de intercâmbio na Irlanda entre 2015 e 2016, período no qual também trabalhou como “au-pair” (babá) para uma família de moradores locais, ela também conheceu um suíço, Christian, e ficou noiva dele -que no ano passado visitou Campinas para conhecer os pais de Paloma. No início desta semana, ao chegar ao aeroporto de Dublin após ter partido da Basileia, onde visitou os pais do noivo, ela teve seus planos bruscamente interrompidos: foi enviada diretamente à prisão local, onde passaria a noite em condições descritas por ela como degradantes.
“Foi uma humilhação inacreditável. Não desejo para ninguém o que aconteceu comigo. Fiquei sem comer nem dormir por todo o tempo na cadeia. Não conseguia e ainda não consigo entender exatamente o porquê de terem feito isso comigo. Mas quero falar sobre isso para que outras pessoas não passem por isso”, diz Paloma à reportagem.
Ela conta que chegou em Dublin no começo da tarde de terça-feira (18), por volta das 16h (horário local), e dirigiu-se aos funcionários da imigração. Carregando passaporte, passagem de saída (marcada para 25 de setembro), 1.100 euros (cerca de R$ 5.000) e contatos de dois moradores locais em cujas casas ficaria hospedada, ela esperava entrar com tranquilidade no país. Não foi o que aconteceu.
“Assim que entreguei meu passaporte, a funcionária da imigração começou a me bombardear com perguntas sem deixar que eu respondesse até o fim. ‘Qual o seu intuito com a visita?’, ‘Por que você quer ficar dois meses aqui?’, ‘você estava aqui em dezembro, por que já está voltando?’. E então ela começou a insinuar que eu estava mentindo, dizendo ‘por que você não me fala a verdade? Você não está entrando para trabalhar aqui’?”, relembra Paloma.
Depois de conversas rápidas com os contatos da brasileira na Irlanda, a funcionária chamou seu supervisor, e ambos pediram o celular de Paloma e a senha do aparelho, que foram fornecidos. Depois de 20 minutos, a brasileira diz que foi informada de que não entraria na Irlanda e seria deportada para a Suíça, de onde havia chegado. Como o próximo voo para lá seria apenas na quinta-feira (20), ela teria que esperar em uma “acomodação.”
Colocada em um carro que lhe foi dito que era da polícia -ela ressalta que ninguém lhe mostrou qualquer identificação-, ela rodou por cerca de 30 minutos, esperando chegar a algum hotel que seria fornecido pelo governo.
Ao entrar na prisão de Mountjoy, mais especificamente no centro de encarceramento feminino de Dóchas, e se deparar com o aparelho de raio-x, ao passar pela clássica sessão de fotos direcionada a detentas e após pedirem seus dados pessoais, a ficha finalmente caiu: ela estava sendo presa.
Eu não estava querendo acreditar. Tinha viajado para visitar pessoas que considero meus familiares na Irlanda e de repente estava presa. Não fazia sentido. Eu estava segurando para não chorar, já que precisaria me explicar em inglês, que não é minha língua nativa, apesar de ser fluente”, diz Paloma.A experiência prisional da brasileira, então, foi se tornando cada vez mais concreta.”Me colocaram em uma salinha comprida, bem estreita, e com chão molhado. E então me pediram para tirar toda a minha roupa. Tive que ficar completamente pelada para mostrar que não estava carregando nada. Eles pegaram meus pertences e me deram um saco com roupa de cama, copo, pijama, toalha.”
Às 18h, já em sua cela, Paloma havia se tornado uma detenta. Pouco depois ela teve acesso ao telefone, que lhe foi negado no aeroporto e na chegada à prisão. Ela, então, ligou para o noivo e para as pessoas que a receberiam na Irlanda e explicou toda a situação. No Brasil, seus pais seriam informados pelo noivo da prisão de Paloma. Como Christian não fala inglês, a conversa foi toda por meio de programas de tradução na internet.
“Estou me recompondo apenas hoje [quinta]. Foi uma cachorrada o que fizeram com a menina. Tenho passagem comprada para Dublin, marcada para 5 de setembro, mas agora eu tenho medo de ir para lá visitar a minha filha. Se fizeram isso com uma menina, imagina o que não vão fazer com uma senhora que não fala uma palavra de inglês? Eles poderiam ter deportado, isso seria normal. Mas por que mandá-la para a cadeia? “, diz Vandete Carvalho, 52, mãe de Paloma.
Na prisão de Dóchas, já com o pijama padrão, Paloma conhecia sua acomodação. As celas são todas fechadas às 19h30. Um quarto cujo tamanho dava “uns três passos longos”, com três camas, televisão e um banheiro. Paloma pediu água, a guarda pediu para que ela tomasse da pia -que estava coberta de vômito, já que sua companheira de quarto, conta, era uma alcoólatra de 30 e poucos anos.”Tirei o lençol do saco para arrumar a cama. Esse lençol estava completamente manchado de sangue velho, já marrom. A moça que estava na cela não parou de vomitar a noite toda. Não consegui dormir.”
Paralelamente, a alemã Karen Muller-Wieland, 38, matriarca da família que receberia Paloma em Galway, oeste da Irlanda, buscava todos os meios possíveis de tirar sua “irmã” da prisão.
“Não conseguíamos falar com Paloma, e isso era o mais terrível. A prisão se recusava a passar informações, já que não somos parentes. Quando consegui o telefonema de seis minutos, ela chorava, e então eu disse que precisávamos falar para achar uma solução”, diz Muller-Wieland à reportagem.
Ela procurou um advogado, que precisaria de 48 horas para enfrentar toda a burocracia judicial. No entanto, Paloma seria deportada antes disso, na madrugada de quinta (20). Na embaixada brasileira em Dublin, Karen diz ter sido bem recebida, mas sem qualquer ajuda legal.
“Eles disseram que isso tem acontecido cada vez com mais frequência e que não teria o que fazer a não ser esperar a deportação.”
Na manhã de quarta-feira (20), após tentativas fracassadas de comer (“batata, carne e vegetais que pareciam vômito, e uma sopa que parecia diarreia. As funcionárias pegavam a comida com a mão mesmo, com luvas cirúrgicas, e uma presa ao meu lado comia como uma porca, com as mãos também”) e, relembra, uma oferta de ecstasy por parte de uma detenta, Paloma recebeu ligação de Karen, que dizia que não havia conseguido nada para tirá-la da prisão ou para deportá-la mais cedo.
“Eu me sentia terrível por ter falhado com a Paloma. Comecei a me questionar: ‘claro que eles iriam pensar que ela estava vindo trabalhar na minha casa, como fui estúpida’. É o tipo de coisa que você pensa quando está assustada. Mas não fizemos nada de errado, não tínhamos porque nos sentir assim. Somos todos muito gratos à Irlanda, a Paloma também. Mas o sistema de Justiça falhou com ela”, analisa Karen.
No final da tarde, pouco antes do novo toque de recolher, em uma nova cela que, acredita Paloma, havia sido projetada para prisioneiras com potencial suicida -“uma televisão coberta de grades, um banheiro sem divisória, nada que eu pudesse quebrar para usar contra mim”-, enquanto chorava copiosamente, ela recebeu a notícia de que poderia sair dali. Sem perguntar os motivos, ela partiu em disparada.
Antes de sair, sentindo-se como um “zumbi”, sem dormir nem comer havia horas, teve de ficar nua mais uma vez para ser revistada. Paloma, então, foi informada de que poderia ficar duas semanas na Irlanda antes de deixá-la. Os policiais levaram-na ao aeroporto, onde a família Muller-Wieland a pegou para levar a Galway. A brasileira ainda não sabe o porquê de ter sido liberada da prisão mais cedo que o previsto.
“Não nos falaram o porquê da soltura adiantada, mas provavelmente foi por causa da comoção pública. Algo que a Irlanda tem é um incrível senso de comunidade. Falamos com nossos amigos, que também acionaram suas redes de contatos e o caso teve repercussão entre políticos, que se engajaram. Sabemos que houve políticos que usaram suas conexões no departamento de imigração para ajudar a Paloma. Foi algo muito bonito que aconteceu e que certamente contribuiu para que a Paloma pudesse deixar a prisão e ganhasse esse período de dez dias conosco”, diz Karen.
Em Galway, Karen e Paloma, que tem sido acompanhada por um psicólogo desde o ocorrido, planejam o que fazer nos próximos dez dias. Elas devem viajar para a casa dos pais de Karen e aproveitar o período juntas com as crianças. Nesta sexta-feira (21) elas vão estudar as medidas legais que podem ser tomadas contra o governo irlandês e também para preservar Paloma -ela teme que sua entrada dificultada na Europa daqui em diante.
“Vamos tomar alguma medida legal, um processo por danos morais. Mas ainda precisamos ver com a família aqui na Irlanda o que pode ser feito”, diz a brasileira.”O que aconteceu com ela não foi comum. Sabemos de pessoas deportadas; também sabemos de casos de estrangeiros que entram no país, têm seus motivos questionados e então ganham de dez a quatorze dias para provarem o que dizem antes de serem deportados. Agora, a maneira que aconteceu com Paloma envolve vários episódios que, acredito, violam padrões estabelecidos de direitos humanos”, finaliza Karen.
OUTRO LADO
Procurada pela reportagem, a embaixada da Irlanda enviou declaração do Departamento de Justiça e Igualdade do país.
“O Departamento de Justiça e Igualdade não faz comentários sobre casos individuais. A Irlanda opera um sistema de imigração justo, seguro e efetivo e, de fato, o sistema irlandês de imigração é um dos menos onerosos para os visitantes. Os oficiais de imigração respeitam a dignidade de todas as pessoas com quem se envolvem e desempenham suas funções com profissionalismo e cuidado. É igualmente importante que as pessoas que procuram entrar no Estado forneçam informações precisas e completas sobre o propósito de sua entrada”, diz trecho da nota.
A embaixada do Brasil na Irlanda também enviou um posicionamento sobre o tema.”No caso específico da senhora Paloma Carvalho, o Consulado foi contatado pela senhora Karen Muller-Wieland, para quem a Senhora Paloma teria prestados serviços de ‘au pair’. Na ocasião, representante da embaixada explicou-lhe que a Irlanda tem soberania sobre seu território e, portanto, detém o direito de decidir sobre a recusa de entrada de pessoas no país, de forma discricionária. Salientou, ainda que a embaixada, por diversas ocasiões, já registrou sua posição de desacordo com a prática de envio de cidadão brasileiros inadmitidos a centros de detenção. Por fim, a embaixada registra que a atuação contra a prática denunciada pela senhora Karen Muller-Wieland prosseguirá pelos canais diplomáticos.” Com informações da Folhapress.