A violência é uma das maiores preocupações da sociedade brasileira contemporânea. Cenas de agressividade se tornaram rotina. A perplexidade vem acompanhada de uma constatação: o que fazer diante dessa grave situação, que ceifa tantas vidas e abre uma chaga no tecido social. A maioria das pessoas “culpa” o ambiente, enquanto outras responsabilizam a constituição biológica dos indivíduos.
No primeiro grupo estão os que atribuem a causa dessa crise de violência às condições de organização da sociedade: o abismo entre ricos e pobres, a falta de oportunidades e de emprego para os jovens, as deficiências do sistema educacional, entre outras.
Em sociedades desenvolvidas, que em grande medida resolveram dilemas sociais, ocorrem também episódios de extrema violência individual ou coletiva: atiradores suicidas, manifestantes violentos em confronto com policiais, torcedores enlouquecidos com a derrota de seu time, etc.
Analises sociológicas à parte, a reportagem foi ao município de Sena Madureira, distante 144 quilômetros da capital, e constatou uma fatídica realidade: o recrudescimento da violência nos últimos anos vem deixando seus moradores aterrorizados. A inoperância das instituições do setor da segurança pública fez surgir um poder paralelo que responde pela alcunha de facções.
Entrevistamos moradores antigos, comerciantes, jovens e autoridades policiais. Só não entramos nos bairros periféricos porque em alguns deles, pasmem, existem toques de recolher impostos pelos bandidos. A disputa pela distribuição de drogas e o controle de territórios por grupos rivais são os principais motivo das escalda da violência.
Cortado pela BR-364, o município possuiu a terceira maior população do Acre (42 mil habitantes). O desemprego e a ausência infraestrutura nos bairros periféricos há muitos anos, aliados quase a nenhuma política de inclusão social, como o esporte e atividades culturais, contribuíram para o recrutamento de jovens para o mundo do crime, bem como para o desenvolvimento de uma cultura da violência.
Facções impõem toque de recolher e expulsam moradores dos bairros
“Uma política de segurança depende, necessariamente, de uma política de Estado. Desenvolvimento deve gerar empregos e distribuir renda, com a consequente melhoria na qualidade de vida da população. Onde o Estado não chega, a violência e o crime organizado se instalam. Mesmo com essas adversidades, vamos vencer essa guerra e restabelecer o estado de direito”.
As palavras acima são do delegado Antônio Alceste Callil de Castro e explicam a realidade pela qual passam os bairros Praia do Amarilho, Bom Sucesso, Pista, Vitória Florentino, Eugênio Areal e o Segundo Distrito. Em apenas uma semana, um homem foi atingido com um tiro na cabeça, um filho de policial foi baleado e, durante um acerto de contas, homens de uma facção rival invadiram uma boate e balearam cinco pessoas.
Uma senhora, que pediu para não ser identificada, contou à nossa reportagem que os moradores do bairro Praia do Amarilho se reuniram com os bandidos, que deram o seguinte recado: “A partir de hoje ninguém poderá entrar no bairro a partir das 18 horas. Não quero ouvir nenhum celular tocar a partir desse horário e fechem portas e janelas de suas casas. Se seu filho sair, e não poder chegar até às 18 horas, mande-o dormir por aí, diga para não entrar aqui, senão leva bala. Quem não cumprir essas regras tem dois dias para deixar o bairro”, ameaçou o criminoso.
Delegacia há quase dois anos em construção
Orçada em mais de R$ 800 mil, empréstimo contraído junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), a construção da delegacia figura entre as mais demoradas da história da cidade, perdendo apenas para a reforma do Estádio de futebol, Marreirão, que estava parada há mais de 20 anos, e que há poucos meses voltou a ser reconstruído pela atual http://ecosdanoticia.net/wp-content/uploads/2023/02/carros-e1528290640439-1.jpgistração municipal.
Na placa de reforma estava previsto a entrega em 90 dias, mas já passaram dois anos. “Todas as autoridades que vêm ao município garantem, nas rádios, que, no final de tal mês, a obra será entregue à comunidade”, disse um morador. Ironia da história: a nova delegacia fica bem em frente à escola onde um aluno foi assassinado dentro da sala de aula.
Atualmente, a delegacia-geral está funcionando em um imóvel alugado, que não oferece as condições adequadas ao bom desempenho policial.
Efetivo está abaixo da necessidade, admite comandante da Polícia Militar
O comandante da Polícia Militar, Major Michel Negreiros Casagrande, mesmo admitindo que o número de policiais no município é insuficiente, garante que o policiamento ostensivo e serviço de Inteligência da corporação, aliados a outros órgãos de segurança, irão debelar as organizações criminosas.
Quanto à escalada da violência no município, Casagrande afirma que o problema é macro, vez que as organizações criminosas atuam em todos os estados da federação, notadamente em regiões de fronteira.
“As causas da violência não estão restritas a Sena Madureira. Em 2012 houve uma escalada, mas era uma guerra entre bairros, fomentada por uma identidade territorial. Hoje, no entanto, são as facções que recrutam pessoas em situação de vulnerabilidade social. No Acre existem até organizações locais”, explicou o militar, afirmando que a guerra se iniciou há cerca de um ano.
A eclosão, segundo ele, deu-se após a morte de um grande traficante no Paraguai. “Foi aí que começou uma guerra entre o PCC e Comando Vermelho, com seus aliados, que hoje estão incrustadas nos bairros das cidades, sustentadas principalmente pelo tráfico de drogas, que arregimenta jovens sem estudos ou expectativa de uma vida melhor”, disse ele, para quem o Brasil deixou ter um problemas de Segurança Pública para ter um de Segurança Nacional.
Presídio Evaristo de Moraes não possui bloqueadores de celular e está lotado
O presidente da Associação dos Agentes Penitenciários (Agepens), José Janes Gomes da Silva, afirmou que, caso existissem bloqueadores de celular no presídio Evaristo de Moraes, cerca de 90% dos crimes seriam evitados. Por causa da ausência de scanners corporais, desde 2015 as revistas íntimas estão suspensas.
“As ordens para homicídios, atentados contra ônibus e patrimônio e até mesmo assaltos e tráfico de drogas são enviadas ligações e mensagens de celulares de dentro dos presídios. O bloqueador melhoraria as condições de trabalho e aumentaria a segurança para nós e para toda a sociedade”, assegurou o líder sindical.
Outro problema, ainda segundo Gomes, é a superlotação. A unidade prisional tem capacidade para 145 detentos, mas já abriga mais de 400. Ele revelou a pequena quantidade de coletes balísticos (à prova de tiros), além de as munições serem compradas pelos próprios agentes e por R$ 12 cada cartucho.
A cidade pede socorro, dizem moradores
O aposentado Eduardo Reis Ferreira Diniz, de 67 anos, radialista mais conhecido por Idel Diniz, conta que chegou a dormir de janelas abertas há alguns anos. “Aqui era uma cidade formada pelas famílias tradicionais. Hoje, ninguém fica mais na frente das casas, que agora têm cerca elétrica e outros dispositivos de Segurança”, lamentou ele, que costumar sair de casa pelas manhãs.
“Mesmo com as precárias condições oferecidas, as policias tentam dar uma reposta. Sena Madureira pede socorro no que diz respeito à segurança. Pelos menos seis bairros da cidade têm tiroteio quase toda noite. Os bandidos andam exibindo as armas nas ruas, dentro de comércios e residências, como se não houvesse poder. Vemos um governo desorganizado e despreparado no combate ao crime”, disparou o deputado estadual Gehlen Diniz (PP), que é filho do município.
Mesmo radicado na Capital, o professor Moacir Chaves, que costuma passar o final de semana na cidade, assim resume a situação: “Já extrapolou todos os limites. Chegou a hora de o Estado agir de forma mais enérgica. As polícias e os agentes penitenciários são a última fronteira entre a população e a barbárie. Os profissionais se doam, entregam suas vidas nesta missão, mas não têm estrutura para fazer o enfrentamento com os criminosos. É preciso mostrar que o Estado é mais forte que a bandidagem”, finaliza.
Serafim quer investir até R$ 50 mil em segurança pública
Preocupado com a situação, o prefeito Mazinho Serafim (PMDB) encaminhou um projeto ao Governo Estado, no qual pretende investir até R$ 50 mil em Segurança Pública. A proposta visa dotar a Polícia Militar de melhores condições de trabalho, pagar um banco de horas-extras para os policiais, aquisição de cães farejadores, entre outros que ele acredita que poderá frear a onda de violência no município.
“Embora seja responsabilidade de outras esferas de poder, nos fizemos um projeto de lei, aprovado pela Câmara de Vereadores, e encaminhamos para o governo estadual. Estamos esperando a aprovação para fazermos a nossa parte no tocante à Segurança Pública”, explicou o prefeito.
A prefeitura também firmou uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que vai oferecer três cursos profissionalizantes, beneficiando cerca de 800 jovens. “Por sabermos que a violência também é oriunda da falta de oportunidades, estamos criando frentes de trabalho para gerar emprego e renda, nas quais vamos empregar mão de obra, vez que quase todos os criminosos são da nossa própria região”, acrescentou.
No tocante ao esporte, que é uma das maiores atividades de inclusão social, segundo Mazinho, a prefeitura está reformando espaços de quadras poliesportivas, vôlei, entre outros. “Estamos remontando o campeonato de futebol, que envolve cerca de 500 atletas, bem como a reforma e revitalização do Estádio Marreirão, que será inaugurado nos próximos meses”, anunciou Mazinho Serafim.
O prefeito criticou a demora na entrega a nova delegacia e o baixo efetivos de policiais no município, além da falta de outras condições de trabalho para os operadores da segurança. “Os órgãos precisam executar verdadeiramente uma política de segurança, ou seja, uma política de Estado”, assim concebe ele, ressaltando que a prefeitura não pode fazer investimentos sem a autorização do Governo do Estado.
Promotora afirma que causa da violência está na falta de oportunidades
A promotora de justiça da Vara da Infância e Juventude em Sena Madureira, Patrícia Paula, acredita que uma das causas que motivam o aumento da criminalidade no município é a falta de uma base que eduque e proporcione uma mínima condição de instabilidade financeira e pessoal.
“Os nossos jovens precisam de oportunidades. Um indicativo do número de crimes cometidos é também a falta de empregos, profissionalização e assistência”, argumentou.
Patrícia disse que o Ministério Público executa projetos preventivos, no intuito de resgatar crianças e adolescentes para não entrarem no mundo da violência, adotando-lhes de apoio psicossocial para uma reeducação. “O MP não passa a mão em cabeça de quem está em conflito com a lei, como dizem por aí, mas busca uma forma de tratar os adolescentes e crianças”, afirmou.
Questionada sobre as forças policiais e intervenções do Governo do Estado, a promotora disse que os gestores precisam aumentar o número de agentes nas ruas e fortalecer a rede de investigações. “Nós sofremos com a violência e é natural que a comunidade fique assustada. Só não podemos deixar de prestar atenção ao fato de que isso é uma realidade social de todo o país”, destacou. Com informações Jorge Natal