Nas horas seguintes ao acidente do voo da Chapecoense, em 29 novembro de 2016, nos arredores de Medellín, na Colômbia, saqueadores foram ao local da queda e levaram objetos das vítimas. Celulares, anéis, carteiras, relógios, camisas, sapatos, uniformes e notebooks foram furtados. O que parecia estar em bom estado foi tomado enquanto a busca por sobreviventes e a retirada dos corpos eram realizadas.
Nas semanas seguintes, objetos como uniformes da Chapecoense começaram a aparecer na pracinha do centro e no comércio de La Unión, cidade próxima de onde ocorreu o acidente que matou 71 pessoas.
Desde o final de dezembro do ano passado, um grupo de moradores de La Unión criou uma associação para recuperar esses pertences das 71 vítimas do voo da LaMia.
A campanha para que as pessoas devolvessem o que haviam levado começou tímida em janeiro, mas ganhou força nas últimas semanas.
Nesta terça-feira (9), mais de 200 objetos serão entregues a familiares de vítimas em cerimônia em frente à igreja da cidade de 19 mil habitantes ao pé do Cerro Chapecoense, local da tragédia.
Pelo menos 14 convidados entre sobreviventes e familiares de vítimas confirmaram presença na cerimônia.
Entre eles, os jogadores brasileiros Alan Ruschel, Neto e Jackson Follmann e o jornalista Rafael Henzel, que estavam no avião.
Voluntários da associação chegaram a oferecer hospedagem para alguns familiares de vítimas.
Huber Cardona, 32, é um dos idealizadores da ação. O colombiano usou seu trator para abrir caminho para os veículos de resgate na noite do acidente.Ele conta que precisou de ajuda psicológica para lidar com o trauma por ter presenciado a tragédia.
“Não vou esquecer aquela noite. Por isso os objetos, para a gente dizer a eles [os familiares] que sim, o que aconteceu também nos marcou e importa para a gente”, afirma Cardona.
A mobilização do povoado para recuperar os objetos começou quando o professor Juan Carlos Vallejo, 56, viu calças, meias e camisetas jogadas na mata. Impactado por ter ido ao local horas depois da queda, sentiu que cuidar daqueles bens seria uma forma de lidar com o sofrimento que viu de perto.
Conversou então com Julián López, 30, líder da torcida organizada local do Atlético Nacional e decidiram formar um grupo dedicado à memória das vítimas.
Hoje, 85 moradores da cidade colombiana são voluntários da Cooperación Binacional de Hermandad La Unión-Chapecó.
Na noite de domingo (7), Julián estava terminando de lavar e ordenar o que havia recebido na última semana.
Cada um dos 71 mortos foi apadrinhado por um cidadão local. Camila Candamil, 11, escolheu ser madrinha de Kempes e é responsável por lembrar do atacante em cada cerimonia feita na cidade.
Na manhã seguinte ao acidente, avistou um conhecido com seis camisas da Chapecoense no ombro: uma delas era de Kempes. Camila a pediu argumentando que iria devolvê-la à família do jogador, mas o conhecido só aceitou cedê-la se ela pagasse cerca de R$ 100 reais.
“Quando toquei a camisa estava fria e úmida, não gostei de sentir aquilo, então ficava esfregando para tentar esquentá-la”, diz a menina.
Ela pediu dinheiro para o pai, comprou a camisa e foi para o centro de La Unión, onde foi rodeada de curiosos que chegaram a lhe oferecer o triplo do valor pago.”Só queria dar a camisa para o filho dele, acho que ele gostaria de tê-la, não era algo para ser vendido”, diz.
Com o tempo, o prefeito, em seus discursos; o padre da cidade, durante as quatro missas diárias; e a rádio local entraram na campanha pela devolução dos objetos.Desde março, a locutora Mary Luz Garcia, 28 anos, pede em seu programa diário que os moradores devolvam o que por ventura levaram para si.
A estratégia traçada foi a de mostrar como poderia ser importante para os familiares receberem objetos, mais do que argumentar que eles fizeram algo ilegal no dia da tragédia.
“Não funcionaria pressionar nesse sentido, tivemos que ir convencendo as pessoas”, afirma a radialista.
PRÁTICA CORROQUEIRA
Saques após acidentes aéreos são comuns. Na capital colombiana Bogotá, em 1998, um avião da companhia aérea Tame bateu em uma das montanhas da cidade, matando as 53 pessoas a bordo.
Depois do choque, gangues da região cercaram a área, impediram a entrada de curiosos e policiais, e roubaram objetos de maior valor.
No Brasil, a Justiça Federal abriu processo para apurar o desaparecimento dos pertences das 154 vítimas do voo 1907 da Gol, em setembro de 2006. O avião colidiu no ar com um jato Legacy e caiu na Serra do Cachimbo, em Mato Grosso. Com informações da Folhapress.