A investigação da PF (Polícia Federal) e do Ministério Público que descobriu o maior escândalo de corrupção da história de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo) flagrou contatos diretos ou indiretos de um empresário preso com 11 vereadores, metade da Câmara da cidade.
A operação Sevandija -que significa “parasita”-, desencadeada na última quinta-feira (1º), resultou nas prisões de 13 pessoas e nas suspensões dos mandatos de nove parlamentares.
Todos eles tiveram algum tipo de contato com o empresário Marcelo Plastino, dono da empresa Atmosphera, contratada pela Coderp (companhia de desenvolvimento), ligada à prefeitura, para a terceirização de mão de obra.
A suspeita é que a prefeitura use a Coderp para contratar a Atmosphera, por meio de licitações fraudulentas, para abrigar funcionários terceirizados que deveriam ser contratados em concurso público. Esses funcionários -589 hoje- são indicados por aliados da prefeita Dárcy Vera (PSD), sobretudo vereadores.
Além disso, a operação investiga o destino do dinheiro pago à empresa, que pode estar sendo usado também para a compra de apoio político na Câmara.A investigação do esquema começou em 2015, com uma licitação suspeita de R$ 26 milhões para a aquisição de catracas para escolas, mas estendeu-se a outras áreas. O montante fraudado chega a R$ 203 milhões, segundo a operação.
Plastino foi flagrado pela Sevandija, conforme documentos obtidos pela reportagem, entregando envelopes no meio de revistas a dois vereadores da cidade. Para investigadores, os envelopes continham dinheiro vivo.
O empresário foi preso temporariamente neste sábado (3) ao desembarcar no aeroporto internacional de Guarulhos, após uma viagem ao exterior. A namorada do empresário, que trabalha na Atmosphera, também foi detida.
A investigação flagrou, ainda conforme os documentos obtidos pela reportagem, o empresário marcando “cafés” com vereadores, segundo escutas telefônicas feitas com autorização judicial.
Os nove vereadores que tiveram os mandatos suspensos foram conduzidos coercitivamente para prestarem depoimento à PF: Samuel Zanferdini, Bebé e Genivaldo Gomes (PSD), Cícero Gomes da Silva (PMDB), Walter Gomes e Giló (PTB), Maurilio Romano (PP), Capela Novas (PPS) e Saulo Rodrigues (PRB).
INTERCEPTAÇÕES
Numa conversa com Bebé (PSD), em 2 de agosto, Plastino o convida para um “café” e alega que já queria tirar isso da agenda e da cabeça dele, mas o vereador diz ter um compromisso e adia o encontro.
O “café” também foi o motivo para os encontros, consumados, com o presidente da Câmara de Ribeirão, Walter Gomes (PTB), e com Cícero Gomes da Silva (PMDB).Nos dois casos, Plastino, conforme a investigação, fez a entrega no dia 11 de agosto de envelopes pardos, colocados no interior de revistas, para dificultar a identificação do conteúdo.
Quando Walter chega ao local do encontro, sem nada em suas mãos, Plastino já está sentado em uma mesa com a revista e um envelope pardo com “volumoso conteúdo” em seu interior.
Após a conversa, que durou 40 minutos, os dois se levantam e a revista “troca” de mãos. Walter a leva embora, enquanto Plastino sai de mãos vazias.
Em seguida, o empresário se dirige ao shopping Iguatemi, na zona sul da cidade, para se encontrar com Cícero, onde ocorre situação idêntica. Ele, que estava com uma revista a seu lado quando se sentou à espera do vereador, com um envelope dentro, vai embora 15 minutos depois sem ela, que passou para as mãos do parlamentar.
No dia seguinte, 12 de agosto, Plastino se encontrou com Capela, conforme a investigação. A documentação amealhada pela Sevandija contempla ainda fotos de encontros do empresário com Giló (PTB), genro da prefeita de Ribeirão, em 4 de maio, e áudio de um encontro, sempre para um “café”, com Zanferdini, este em 8 de junho.
Além dos nove suspensos pela Justiça, as escutas flagraram conversas com pessoas próximas a outros dois parlamentares: Mauricio Gasparini (PSDB) e Ricardo Silva (PDT). Em ambos os casos, com irmãos dos vereadores. Eles não tiveram os mandatos suspensos.
Os nove vereadores estão com mandato suspenso até o fim do processo, o que fez a Câmara de Ribeirão encolher temporariamente de 22 cadeiras para apenas 13.
A OPERAÇÃONa última quinta-feira, 11 pessoas foram presas e nove vereadores tiveram os mandatos suspensos na operação Sevandija. Entre os detidos estão secretários da prefeita, que também teve sua casa e gabinete vasculhados por policiais.
A ação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público paulista e da Polícia Federal foi deflagrada com o cumprimento de 13 mandados de prisão temporária, 17 de condução coercitiva e 48 de busca e apreensão.
Foram presos o secretário da Administração, Marco Antônio dos Santos, homem-forte do governo Dárcy e presidente do diretório do PSD na cidade, e Angelo Invernizzi, titular da Educação. Dois advogados, dois funcionários da Coderp, um servidor do Daerp (Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto) e empresários também foram detidos. Houve apreensão de dinheiro na casa de Santos.
Segundo a Promotoria, no caso das catracas escolares descobriu-se que as empresas envolvidas eram do mesmo grupo ou representadas pela mesma pessoa. O volume de catracas era muito superior ao total de escolas municipais, conforme a investigação.
Houve, ainda, fraudes no Daerp e na Coderp. Na Coderp, a apuração mostrou ainda que houve fraudes para a contratação de empresas para a manutenção das catracas escolares, segundo o promotor Marcel Zanin Bombardi, e na terceirização de mão de obra.
A Atmosphera, contratada pela Coderp, se encarregava de admitir pessoas, em sua grande maioria indicadas por agentes públicos, especialmente vereadores. “Se concluiu até agora numa compra de apoio político pelo governo municipal. Os vereadores tinham direito de indicar e, em contrapartida, garantiam apoio ao governo municipal, na Câmara. Discutindo, votando projetos de acordo com os interesses do Executivo”, disse.
Em 2012, a empresa foi contratada de forma fraudulenta, segundo a Promotoria, para a terceirização de mão de obra por R$ 7 milhões, por 12 meses, mas o contrato tem sido renovado anualmente, cada vez por valores superiores.
A PF informou ter apreendido R$ 320 mil, em três moedas (euros, dólares e reais), além de 12 veículos de luxo no cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Só em um dos locais, o montante apreendido soma R$ 160 mil. A Justiça também determinou o bloqueio dos bens dos envolvidos.
No Daerp, um servidor teria sido indicado ao cargo para viabilizar fraudes. Um contrato de R$ 68 milhões, por exemplo, com os aditivos, chegou a R$ 86 milhões.Houve, ainda, pagamento de propina para o pagamento de honorários advocatícios.
De acordo com o promotor Leonardo Romanelli, agentes públicos exigiam propina num acordo de R$ 800 milhões, valor a ser pago a servidores da prefeitura referentes a perdas do Plano Collor. Foram pagos até aqui mais de R$ 300 milhões aos servidores e R$ 40 milhões em honorários.
Foram analisados milhares de documentos, além de interceptações telefônicas, que concluíram que as fraudes existiam desde 2012.
OUTRO LADO
O empresário Marcelo Plastino nunca fez repasse de dinheiro da Atmosphera para nenhum vereador de Ribeirão. A afirmação é do advogado Júlio Mossin, que o defende.
“Não teve nenhum repasse de verba para vereador, prefeita ou funcionário. A Atmosphera faz terceirização, e um vereador pedir emprego, indicar algum currículo, é normal. Não só na Atmosphera, mas ‘N’ empresas recebem currículo de vereador. Isso não é crime.”
Mossin, que também é o defensor do vereador Walter Gomes, afirmou que o parlamentar se reuniu com Plastino várias vezes para tomar café e que, no encontro flagrado pela operação, ele não deixou o local com dinheiro no meio da revista.
“Já se encontraram outras vezes para tratar assuntos políticos e tomar um café. O Marcelo deu a revista para ele, tinha assunto político de interesse do Walter nela. Sem nenhum dinheiro, sem nenhum tipo de vantagem. Foi um encontro normal”, disse.
O vereador Cícero foi procurado por meio de assessores, mas não houve resposta. Os vereadores Giló, Zanferdini e Capela não foram localizados em seus celulares.Em uma rede social, Zanferdini disse ser inocente, assim como Bebé. A reportagem não obteve contato com os demais parlamentares. Com informações da Folhapress.