Algumas idas e vindas por parte do governo, comemorações, críticas e muita polêmica. Esse foi o saldo das primeiras 24 horas após o governo do presidente Michel Temer anunciar uma reforma do Ensino Médio no país.
O anúncio oficial foi feito na tarde de quinta-feira, quando o Ministério da Educação (MEC) divulgou um documento em que disciplinas que sempre figuraram nos boletins iriam passar a ser optativas: educação física, artes, filosofia e, sociologia.
Com a reforma, apenas Português, Matemática e Inglês devem ser obrigatórias para o fim do ciclo (atualmente são 13), enquanto as disciplinas restantes serão escolhidas pelo aluno ou pela escola dentre cinco áreas de ênfase: Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática e Formação técnico e profissional.
Até a tarde de sexta-feira, o governo havia anunciado mudanças técnicas e voltado atrás em um ponto, afirmando que, por ora, essas matérias seguiam sendo obrigatórias. Assim, a mudança pode passar a valer em 2017.
Apresentada como uma medida provisória (MP), a reformulação já entrou em vigor mas, na prática, não há efeitos reais, já que ainda será analisada pelo Congresso, e seu conteúdo pode ser alterado por meio de votações na Câmara e no Senado. Sendo que esses procedimentos devem ocorrer em 120 dias, ou a MP deixa de ter valor legal.
A BBC Brasil listou as principais polêmicas geradas pelo anúncio da reforma – que atinge escolas públicas e privadas – e conversou com especialistas em educação com diferentes opiniões sobre o tema.
1. A ‘flexibilização’ do currículo e as disciplinas que podem passar a ser optativas
O MEC acredita que ao permitir que alunos e escolas possam escolher o aprofundamento em algumas matérias vai colocar o currículo do ensino médio mais em sintonia com as necessidades do aluno. “Os jovens poderão escolher o currículo mais adaptado às suas vocações. Serão oferecidas opções curriculares e não mais imposições”, disse, na quinta-feira, o presidente Michel Temer.
O diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, concorda: “Com as atuais 13 disciplinas, a verdade é que o aluno vê tudo e não vê nada. Com a mudança, haverá mais direcionamento para o que ele quer seguir, para seus interesses.
Precisamos de um currículo que dialogue com o mundo juvenil e que seja mais direcionado, em conformidade inclusive com o endereço do estudante.”
No entanto, o coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara, as medidas criam uma cortina de fumaça para o cerne do problema.
“Essa reforma é uma falácia, porque não resolve as questões estruturais, como a formação de professores e pontos que eram demandas dos estudantes que ocuparam as escolas, como a redução do número de alunos por classe. De nada adianta ênfase em exatas ou humanidades, se o professor for mal preparado, se não houver recurso”, afirma.
Além disso, ele questiona a flexibilização de algumas matérias: “Artes, educação física, filosofia ou sociologia têm de ser obrigatórias. Sem elas, não há formação completa de um cidadão.”
2. Carga horária ampliada
Segundo o plano proposto, gradualmente, as escolas passarão a ser integrais, passando a carga horária de 800 para 1.400 horas anuais. Assim, os alunos passarão a ficar 7 horas por dia na aula.
Defensores da ampliação da duração das aulas afirmam que ela é eficiente quando embasada um projeto pedagógico sólido. Pernambuco, por exemplo, vem investindo na educação em período integral aliada a outras apostas, e obteve melhora nos índices educacionais.
Mas, na opinião de Daniel, de nada adianta ampliar a quantidade de horas, sem qualidade. “Uma carga horária de 5 horas ruim – como já acontece – fica ainda pior se for de sete horas. Haverá um desinteresse ainda maior por parte dos alunos, especialmente ao se tirar as disciplinas que eles tendem a gostar, como educação física e artes.”
O governo reiterou que essa mudança será bastante lenta e gradual e que não há metas para a essa implementação.
3. Medida Provisória: ação necessária ou ‘canetada’?
O fato de as reformas terem sido feitas via MP foi outro ponto polêmico: de um lado, há quem acredite que os péssimos índices no Ensino Médio exigiam uma medida urgente, enquanto, de outro, há a defesa de uma mudança dessas exige um debate maior.
“Na prática, a MP foi uma maneira para colocar em prática o projeto de lei (PL 6840) que tramita desde 2013. Se esperássemos, esse projeto poderia ser implementado só em 2019. Já houve debate demais, já esperamos tempo demais”, afirma Mozart, do Instituto Ayrton Senna.
Já na opinião de Daniel, a MP foi uma “canetada perigosa”.
“Em nenhum lugar do mundo, uma reforma dessa envergadura é colocada em prática dessa forma. Na Austrália se levou dois anos, na Finlândia, 10. É preciso um debate sério, é preciso ouvir professores e alunos. A MP é autoritária, permitindo que o Executivo aja como um superlegislador. Houve pressa para atender a demandas de grupos educacionais.”
4. Primeiro passo ou confusão e despreparo?
As idas e vindas por parte do governo e a falta de detalhamento em fatores como quando exatamente as medidas devem de fato entrar em vigor e quem vai bancá-las provocou polêmica entre os especialistas.
“É preciso ter em mente que a MP é apenas um primeiro passo. Agora, precisamos ficar atento para os próximos, especialmente a articulação com os estados, algo muito desafiador”, afirma Mozart. “É claro que o MEC falhou, podia ter divulgado um documento melhor, mas claro. Mas é uma reforma promissora, estou otimista.”
Daniel, no entanto, afirma que as idas e vindas do governo em apenas um dia mostra a “fragilidade total da reforma”.
Uma outra potencial confusão apontada por analistas está no fato de as escolas não serem obrigadas a oferecer as cinco ênfases previstas. Movimentos estudantis já estão questionando esse ponto – entre outros – já que ele poderia obrigar um aluno que quer se focar em Linguagens, por exemplo, a mudar de escola, caso a sua não ofereça essa ênfase. Para os alunos, isso poderia levar a um entrave semelhante aos problemas que enfrentaram no ano passado, com a proposta reorganização da rede.
5. Como exatamente as alterações serão financiadas e em qual prazo?
O MEC nega que as mudanças implicarão em mais gastos para os Estados, afirmando que o grosso dos recursos para se colocar em prática as mudanças será repassado pelo próprio Ministério.
“Basta olhar de perto para ver que não vai ter dinheiro para implementar mudanças como a da carga horária, especialmente quando se olha o que está sendo proposto na PEC 241, que limita os gastos nessa área”, afirma Daniel, em referência à Proposta de Emenda à Constituição trata da limitação dos gastos públicos, integrando as novas medidas econômicas do governo de Michel Temer, inclusive no setor educacional.
Na rede privada, representantes já disseram que haverá aumento na mensalidade para se bancar mais horas/aulas, por exemplo.
Até o momento, está claro que apesar de a MP ter efeito imediato, as medidas devem ser debatidas e estarem definidas “em meados de 2017”, segundo o governo. Assim, devem entrar em vigor de fato no ano letivo de 2018.